top of page

XXI FANTASPOA | Sal Sobre a Língua, de Parish Malfitano (Salt Along the Tongue, 2025)

  • Foto do escritor: Henrique Debski
    Henrique Debski
  • há 1 dia
  • 4 min de leitura

Em Sal Sobre a Língua, Parish Malfitano explora o terror de bruxaria e possessão sob o manto da sororidade.



Logo na primeira cena de Sal Sobre Língua, parte de um curto prólogo que se inicia repentinamente, já é perceptível por parte da direção de Parish Malfitano uma interessante inspiração no terror italiano dos anos 1970/80, a partir do uso de cores vibrantes e uma dinâmica paranoica que, em um primeiro instante, parecia aproximar-se do giallo, até a aparição de um elemento sobrenatural, que nos remete à Trilogia das Mães, de Dario Argento, dentro de sua temática de bruxaria, o denominador comum de todas as obras em questão.

 

Ao estabelecer, através do prólogo, a clara existência de uma dinâmica de bruxaria e possessão, sem exatamente um contexto, que só vem a se esclarecer no decorrer da obra, somos direcionados à protagonista, Mattia, muito bem vivida por Laneikka Denne, que repentinamente perde sua mãe (Minna) para um estranho mal súbito, e precisa viver com a tia (Carol), irmã gêmea da mãe – e ambas muito bem interpretadas por Dina Panozzo –, com quem havia se distanciado.

 

Lidando com o luto, a direção de Malfitano é habilidosa em nos demonstrar, a partir da câmera subjetiva, que algo estranho circunda Mattia – uma espécie de entidade voyeurística a observa à distância, como se houvessem negócios inacabados para serem acertados. As razões e elementos dessa dinâmica são lentamente posicionados em cena, no desenvolvimento do passado das irmãs, e colocando em foco, a todo tempo, a temática da sororidade, quando Carol vive em uma casa junto de outras mulheres, de diferentes nacionalidades, e produzem, juntas, um programa de culinária, enquanto aproveitam juntas a vida em comunidade e cuidando umas das outras.

 

Enquanto o passado é desbravado pela protagonista, um sentimento de amargura e arrependimento sempre paira no ar. Senão pelas memórias eventualmente compartilhadas por Carol em relação à irmã e o que houve entre as duas, nunca propriamente externalizado pela personagem, a simbologia da figueira que não cresce e das geleias de figo evidenciam uma falta de cuidado cometida em tempos pretéritos, o que casa com a personalidade por vezes irresponsável de Carol e suas bebedeiras noturnas, como quem deseja esquecer de alguma coisa.

 

Na medida em que avança, as transformações da protagonista e sua cada vez mais gritante mudança de personalidade revela uma falha nessa sororidade que havia, no passado, entre as irmãs, e sentimentos de outrora agora vem à tona como uma espécie de veneno e vingança, com a revelação do espírito voyeur e sua força. É justamente nessa mudança de tom que as cores entram em cena no estabelecimento das personagens, na compreensão de quem é quem de verdade.

 

Como pano de fundo, o patriarcado exerce um papel simbólico por detrás da narrativa, uma força destruidora invisível que, quando brevemente é mostrada diante da câmera, em uma única cena, não possui rosto e acaba utilizada como ferramenta para concretizar os objetivos das personagens, em uma espécie de volta por cima. E ainda assim, parece, a todo tempo, ser também o motivo pelo qual toda a narrativa se desenrola, ainda que nunca explicitamente trabalhado, senão por elementos eventuais, através de um simbolismo que sugere traumas como grande parte de toda uma problemática.

 

Felizmente, toda a lembrança inicial do cinema italiano de terror, no prólogo que por vezes soa deslocado, senão pela introdução dos elementos temáticos sobrenaturais de possessão e bruxaria, com direito até a bons elementos de terror corporal, não passa de um pontapé para que Malfitano desenvolva seu próprio estilo já no primeiro ato, tal como fizera anos antes em seu primeiro longa, Coração Dilatado (Bloodshot Heart, 2021), que parte de elementos ao estilo Brian de Palma e mesmo Dario Argento em direção a algo único.

 

Fato é que Sal Sobre a Língua é um daqueles filmes que fomentam e se engrandecem a partir do debate. Sua simbologia, muito claramente estabelecida em tela, em momento algum é explicada verbalmente, mas sim através do plano da imagem, e sua constante manipulação ao longo do filme, amoldando-se aos acontecimentos e o mistério desenvolvido em cena nos permite compreender o que se passa naquele ambiente cujo ar é cada vez mais pesado. E como assumidamente uma obra de terror, tanto sobrenatural quanto, especialmente, social, Parish Malfitano, um cineasta com muito futuro, demonstra um olhar delicado às mulheres, que o revela um diretor consciente da arte cinematográfica, e dos meios oferecidos pelo cinema para contar uma história sem precisar recorrer, excessivamente, à verborragia, e sim, justamente, à imagem.

 

Avaliação: 4/5

 

Sal Sobre a Língua (Salt Along the Tongue, 2025)

Direção: Parish Malfitano

Roteiro: Parish Malfitano

Gênero: Drama, Terror

Origem: Austrália

Duração: 113 minutos (1h53)

XXI Fantaspoa (mostra Low Budget, Great Films)

 

Sinopse: Após a inesperada morte de sua mãe, Mattia se vê sob os cuidados de sua tia distante - a irmã gêmea idêntica da mãe. Enquanto lida com o luto, um segredo perigoso começa a vir à tona, ameaçando sua vida. (Fonte: Fantaspoa)

 
 
 

© 2024 por Henrique Debski/Cineolhar - Criado com Wix.com

bottom of page