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XXI FANTASPOA | Fucktoys, de Annapurna Sriram (Idem, 2025)

  • Foto do escritor: Henrique Debski
    Henrique Debski
  • há 5 dias
  • 3 min de leitura

Fucktoys discute o valor e a invisibilidade das pessoas na sociedade, em uma narrativa transgressora e provocativa que evoca e mantém vivo o estilo de John Waters dos anos 1970.



O primeiro filme da atriz norte-americana Annapurna Sriram enquanto roteirista e diretora revela uma cineasta que conhece muito bem de suas inspirações, e, mais ainda, o domínio de um olhar cinematográfico para o que deseja contar com uma inventividade de poucos, ainda mais diante do evidente baixo-orçamento, o que não a impede de evocar uma atmosfera setentista, filmada em 16 milímetros, para retratar a odisseia de uma profissional do sexo em compreender a si mesma, o mundo em que vive, e, sobretudo, se livrar de uma suposta maldição que a assola.

 

Logo na primeira cena, a excentricidade de seu universo já é estabelecida a partir de um cômico diálogo com um cartomante sobre a energia da protagonista, sobre quem paira uma suposta maldição, que exigiria um ritual para ser quebrada. O problema, entretanto, é o custo: mil dólares.

 

Sua jornada para conseguir juntar dinheiro suficiente para realizar o ritual de quebra desta suposta maldição – sempre colocada em dúvida, por sinal, pela própria narrativa – a guia em direção ao autoconhecimento a partir de situações inconvencionais e bizarras, em uma realidade alternativa que coloca o sexo e o prazer como elementos normalizados no cotidiano de seus personagens. Quem ela realmente é o que ela realmente procura?

 

Caminhando errante pelo submundo do “trash”, que emerge na superfície deste mundo fictício, Fucktoys, na verdade, faz um retrato exagerado de pessoas que, ainda nesta realidade anárquica, vivem isoladas à margem da sociedade – como bem evidencia um diálogo em que um personagem garçom questiona a protagonista: “o que é pior: ser prostituta ou ser invisível”?

 

Diante das necessidades da pessoa que paga, é essa a mesma pessoa que despreza aquele que lhe presta o serviço. A invisibilidade é um tema constante no filme, enquanto a protagonista e sua companheira são, a todo tempo, desprezadas por aqueles que as pagam, como se fossem irrelevantes ao mundo, desprovidas de sentimentos, e nascidas única e exclusivamente para os servir, da maneira como desejam e sem preocupações.

 

Esse dia que acompanhamos na vida da protagonista é como uma desilusão da mesma em relação à própria realidade em que está inserida, na qual terá de realizar um sacrifício, sem ainda saber como, o que ou o porquê, mas necessário para quebrar sua maldição. A maldição do lugar em que está, da ausência de valor e da objetificação constante que sofre de todos ao seu redor.

 

É por isso que Annapurna Sriram não impõe limites à sua realidade. Em meio ao caos que constrói, a imagem evoca uma homenagem corajosa, sincera e saudosista às comédias setentistas de John Waters nos anos 1970, de baixíssimo orçamento e que extrapolavam todos os limites de uma sociedade (ainda mais) conservadora da época, esse que parece retornar em uma Hollywood atual que, apesar de supostamente mais liberal, parece cada vez mais polida em relação à representação do sexo no cinema – algo que tem sido discutido frequentemente, como se não houvesse a necessidade de apresentar em tela uma das mais básicas ações humanas, naturais desde o princípio.

 

O aspecto escatológico e absurdista de Fucktoys também em muito acaba por referenciar, ainda que indiretamente, sem a intenção, as chanchadas de Neville D’Almeida, sobretudo Rio, Babilônia, com seus personagens alegóricos e um teor gráfico que leva até mesmo à uma violência cômica, mas impactante.

 

Ainda que em determinado momento possa soar cansativa essa jornada em razão da repetição dos elementos e arquétipos que circundam a protagonista, Fucktoys consegue encontrar rapidamente um caminho ao engatilhar a reta final, e mostra-se plenamente capaz de soar transgressor e provocativo ainda para os padrões do cinema hollywoodiano atual. É uma daquelas produções que certamente fazem de John Waters orgulhoso, e mantém mais do que vivo seu legado, juntando-o a um ritmo acelerado, dinâmico, bastante contemporâneo (que até lembra o de Sean Baker), e sobretudo, muito divertido.

 

Avaliação: 4.5/5

 

Fucktoys (Idem, 2025)

Direção: Annapurna Sriram

Roteiro: Annapurna Sriram

Gênero: Comédia, Drama, Thriller

Origem: EUA

Duração: 106 minutos (1h46)

XXI Fantaspoa (Mostra Internacional)

 

Sinopse: Em um universo alternativo, uma jovem tenta arrecadar dinheiro para pagar médiuns que possam quebrar uma maldição. Ela percorre o submundo de Trashtown em uma scooter, encontrando personagens bizarros pelo caminho. (Fonte: Fantaspoa)

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