O Desconvidado estende o sentimento de insegurança dos personagens para o espectador, ao adotar a visão de uma pessoa pouco confiável.
Um dos melhores elementos com os quais um thriller de terror pode contar com é a imprevisibilidade. Incapaz de saber para onde o filme pretende seguir, o sentimento de impotência do espectador em influir nos eventos que acompanha como mera testemunha ocular atiça sua curiosidade tanto quanto, a depender da direção, também o prende na cadeira por temer pelas pessoas que estão na tela.
Esse foi o caso do surpreendente O Desconvidado, no qual Devin Lawrence, em seu roteiro escrito com Matthew Mourgides, brinca com o espectador a partir de um sentimento de insegurança por parte de seus personagens, em um jogo de desconfiança mútuo que aos poucos se constrói a partir de uma narrativa não linear e um quase estudo de personagem, ao acompanharmos praticamente tudo pelo ponto de vista do protagonista Carl.
Acontece que, por outro lado, desde o diálogo inicial, é sugerido não ser Carl uma pessoa exatamente confiável. Aos poucos, enquanto dirige seu carro chamativo para o interior e se prepara para uma festa de casamento, somos direcionados ao passado para conhecer toda a cadeia de eventos que deu origem à situação do presente. A montagem é pacienciosa em não entregar os pontos chave de primeira, e acompanha a linha do presente na construção da atmosfera de tensão, a qual cresce de pouco a pouco, e culmina em um desfecho intenso.
A sutileza com a qual o círculo social do protagonista vai se tornando pesado vai muito além dos diálogos pronunciados. A direção de Lawrence a desenvolve sob os olhares, o pesar, os sentimentos de Carl e suas reações, fruto do excelente trabalho de Sam Daly, mas especialmente com a trilha musical, e as diversas versões de The House of Rising Sun, que se tornam cada vez mais melancólicas.
Não só focando no conflito entre Carl e seus amigos, o filme fomenta seu terror inserindo sutis elementos de inúmeros subgêneros, entre os quais transita com naturalidade e sem nenhuma dificuldade. O que começa em um thriller dramático com o tempo torna-se um filme de perseguição (ao estilo Encurralado, de Spielberg, certamente sua referência nesse quesito), vai para invasão domiciliar e chega até no gaslight.
Mas é apenas na reta final que O Desconvidado abraça com carinho aquilo que sempre foi e desejou ser: um slasher. As influências de Pânico e O Que Vocês Fizeram no Verão Passado são como tributos a um encerramento surpreendente, não apenas em como resolve a questão que propõe, mas também em como aborda seu protagonista na reta final, de tal forma que é possível enxergarmos, agora, um caminho antes turvo ao olhar do espectador, mas que se coaduna com toda a construção anterior.
E é justamente esse encerramento a parte mais previsível de O Desconvidado, que apesar de enfraquecer seu mistério promissor e o sentimento desnorteado do espectador, se justifica a partir de todo o desenvolvimento realizado no entorno do personagem, desde os detalhes de fantasia até a maneira como enxergamos aquele universo. Assim, apesar de uma frustração momentânea, não haveria muito como fugir daquele desfecho, capaz de amarrar todas as pontas e ainda assim impactar, não apenas com a violência, mas também com a altíssima qualidade em face de um baixíssimo orçamento.
Avaliação: 4/5
O Desconvidado (The Disinvited, 2024)
Direção: Devin Lawrence
Roteiro: Devin Lawrence e Matthew Mourgides
Gênero: Thriller, Terror
Origem: EUA
Duração: 90 minutos (1h30)
Assistido no XX Festival Fantaspoa.
Sinopse: Ao contrário do bom-senso, Carl decide ir a um evento onde não é mais bem-vindo, o que dá início a um dia cheio de traições, violência, dor de cabeça e ex-namorados que nunca deveriam voltar a ficar juntos. Mas quando Carl descobre que não é o único indesejado do deserto, ele é forçado a escolher entre salvar a si mesmo ou arriscar tudo por aqueles que o injustiçaram. (Fonte: Fantaspoa - Adaptado)
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