A casa assombrada de Haunted Ulster Live castiga, através do humor e do terror, o jornalismo sensacionalista.
Na contramão dos tradicionais filmes no estilo found footage, muito populares em outras épocas, que por vezes utilizam o olhar da câmera apenas como mero recurso estilístico na intenção de se construir um terror a partir de sustos fáceis de elaborar, a graça de Haunted Ulster Live está justamente no intuito subversivo com o qual adota seu subgênero do terror.
A proposta ácida de Dominic O'Neill busca, através da sátira, por uma grande exploração do sensacionalismo televisivo do final dos anos 1990 e início dos anos 2000, a partir dos personagens Gerry Burns, veterano apresentador de TV, e da repórter Michelle Kelly, ambos a frente de um programa cujo objetivo é investigar, sem qualquer cuidado, uma casa mal assombrada, resgatando seu suposto passado sombrio, figuras macabras e exagerando ao máximo para conseguir alguns gritos.
É um programa que nitidamente não se preocupa com seus resultados, mas sim na audiência que terá, sendo conduzido por pessoas céticas e desinteressadas que não buscam por nada senão obter vantagem da dor alheia e de seus problemas. Mas é a medida do descaso que os envolvidos pagam a língua com os eventos que a casa lhes reserva, e a possível prova dos eventos sobrenaturais.
Acontece que não só acompanhamos o programa em si, mas conhecemos também seus bastidores, essenciais para o desenrolar do mistério central. É com as câmeras desligadas que acontecem os assédios (morais e sexuais), as discussões entre produtores, e quando temos a possibilidade de conhecer de fato os protagonistas, onde seus sentimentos são efetivamente expressos para além do olhar incomodado e dos falsos sorrisos, comuns ao ambiente televisivo. É nesse lugar onde o humor ácido se espalha rapidamente para dizer algumas boas verdades, e revelar uma realidade comum a muitos profissionais.
Entretanto, apesar de em muito se entregar ao humor, a direção de O'Neill nunca renega o terror. É entre uma tirada cômica e outra que a entidade se manifesta naquele ambiente, e, em poucos minutos, troca o riso do espectador pela apreensão com muita naturalidade, em transições que brincam com o sobrenatural e até bons elementos de ficção científica, com as linhas temporais.
E diferentemente de outros projetos aclamados recentes (vulgo Late Night With the Devil), Haunted Ulster Live abraça o found footage de tal forma que não sente necessidade, em momento algum, de quebrar a linguagem de seu cinema em prol do desenvolvimento de alguma ideia, especialmente na conclusão. A estética televisa, e também seu charme, é mantida do começo ao fim, tanto para a comédia quanto para o terror, e muito bem aproveitada na construção de seu mistério, e especialmente em sua conclusão, com uma reviravolta, que apesar de não inédita, funciona dentro dos moldes propostos no terror.
É assim que Dominic O'Neill tece, cada vez mais profundamente, sua necessária crítica à televisão e ao jornalismo sensacionalista, castigando seus personagens através da mesma dor que infligem às vítimas das tragédias que exploram. E de brinde, ainda brinca também com a opinião pública e as críticas que julgam o livro pela capa, comuns à todo projeto que causa certa polêmica pela premissa, como é o caso da investigação, ao vivo, de uma casa assombrada. Haunted Ulster Live é um excelente found-footage, consciente e orgulhoso de seu estilo, do qual extrai, em menos de 80 minutos, ótimos debates em meio ao humor e o terror.
Avaliação: 4/5
Haunted Ulster Live (Idem, 2024)
Direção: Dominic O'Neill
Roteiro: Dominic O'Neill
Gênero: Terror, Comédia
Origem: Reino Unido
Duração: 78 minutos (1h18)
Assistido no XX Festival Fantaspoa.
Sinopse: Na noite de Halloween de 1998, o veterano da TV Gerry Burns se junta à popular apresentadora infantil Michelle Kelly para investigar uma casa assombrada em Belfast. Uma sessão espírita faz com que a transmissão seja tomada pelo caos. Quando uma criança é misteriosamente sequestrada por uma força invisível, os dois apresentadores precisam enfrentar seus maiores medos ao vivo na televisão. (Fonte: Fantaspoa - Adaptado)
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