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Foto do escritorHenrique Debski

XX FANTASPOA | Filha do Sol, de Ryan Ward (Daughter of the Sun, 2024)

A Filha do Sol busca por um lugar no mundo ao lado de seu pai, em um emocionante drama que abraça a fantasia de maneira sutil, mas de coração.  



Quando direcionamos nosso olhar para a representação da Síndrome de Tourette no cinema e televisão contemporâneos, o mais comum de se encontrar são abordagens cômicas, que enxergam os portadores da condição através de uma veia humorística, muitas vezes aceita pela própria comunidade. São raras as vezes em que há uma representação dessas pessoas com objetivos dramáticos no sentido da busca por um lugar em um mundo intolerante e que não os compreende.

 

Uma dessas poucas visões mais honestas e realistas, sem apelar para o humor, pode ser vista em Daughter of the Sun, no qual o diretor e ator Ryan Ward incorpora, pela segunda vez, o personagem Sonny Johns (a primeira vez se deu no longa Son of the Sunshine, de 2009, também com sua direção). Agora um homem de meia idade, e pai, a busca de Sonny não é mais um objetivo pessoal, mas vincula também sua filha, em uma jornada nas estradas norte-americanas dos anos 70, rumo a um lugar que os permite serem recebidos de braços abertos.

 

O preconceito, no arco de Sonny, acaba sendo recorrente, na medida em que facilmente arruma brigas indesejadas por onde passa, sobretudo em seus ambientes de trabalho. Em sua construção existe toda uma vontade de ser útil em suas tarefas, e ajudar os outros o máximo possível, mesmo diante da recusa alheia, por medo e incompreensão. Toda essa imprevisibilidade que circunda sua vida acaba transbordando para sua filha, Hildie (muito bem vivida por Nyah Perkin), que no início da adolescência precisa de maturidade suficiente para cuidar do pai, de maneiras diferentes e tão complexas quanto as que ele cuida dela.

 

Por essa razão, os laços entre pai e filha se tornam tão poderosos ao ponto de serem indissociáveis, e a relação de dependência cada vez mais concreta faz com que Hildie renegue as ligações de sua mãe durante a fuga de exploração do mundo com Sonny.

 

É muito encantadora a maneira como Ward, em toda sua sensibilidade, nos coloca, a partir de seu protagonista, para enxergar o mundo pelos olhos de uma pessoa neuro-divergente com a Síndrome de Tourette, mesmo não sendo portador do transtorno. Não é um retrato caricato, negativo ou muito menos estereotipado, mas honesto, de uma pessoa comum tentando viver sua vida com uma condição inerente a si, absorvendo com as frustrações do dia-a-dia e dos problemas que sem querer arruma, e, sobretudo, buscando por uma vida digna para sua filha, tentando a proteger dos males do mundo, como faz todo bom pai. O poder que possui, de curar e ressuscitar os feridos, afinal de contas, nada mais é do que uma forma de representar toda a bondade que tem dentro de si, e especialmente na tentativa de ajudar o próximo.

 

A fotografia riscada, assinada por Craig Range, foi desenvolvida através de um cuidadoso processo de trabalho na imagem, e não somente oferece uma imersão maior àquele universo setentista, mas também diz muito entre o relacionamento dos protagonistas, simbolizando, através dos próprios riscos, uma profunda relação humana-familiar, dotada de altos e baixos.

 

Adiante dos dois personagens centrais, Daughter of the Sun estende seu universo de fantasia para além dos poderes de Sonny, ao inseri-lo em uma comunidade de pessoas com deficiência. Toda sua busca com Hildie desagua naquela espécie de utopia, com a qual tanto sonha. É justamente neste ambiente que Ward aproveita para desenvolver o thriller em seu filme, em meio a um cenário perfeito demais para ser verdade.

 

É quando o filme caminha para seu desfecho, jogando com o mistério e aproveitando da tensão em um clímax angustiante, enquanto debate sobre visões de mundo e a vida à margem da sociedade. A todo tempo inconsistências e comportamentos estranhos são destacados, mas assim como os protagonistas, o público encara os eventos com uma venda nos olhos, que só será retirada no momento certo.

 

O encerramento apenas reforça toda a mensagem de amor que Daughter of the Sun desenvolve durante suas quase duas horas de duração. Estabelecendo um paralelo com seu primeiro longa, Ward concretiza o amor de Hildie por Sonny através de um poderoso gesto de amor, que termina mais um capítulo de sua jornada daquele universo de maneira tão profunda quanto abraça a ficção científica e a fantasia com a qual constrói seus personagens e o mundo, através de uma emocionante catarse, capaz de deixar o espectador a refletir por dias.

 

Avaliação: 4.5/5

 

Filha do Sol (Daughter of the Sun, 2024)

Direção: Ryan Ward

Roteiro: Ryan Ward e Mackenzie Leigh

Gênero: Drama, Thriller

Origem: EUA, Canadá

Duração: 108 minutos (1h48)

Assistido no XX Festival Fantaspoa.

 

Sinopse: Uma garota de 12 anos enfrenta dificuldades enquanto viaja pelo país com seu pai, que tem Síndrome de Tourette. Desejando nada mais do que uma vida familiar normal, ela faz amizade com uma comunidade rural de excluídos, que esconde intenções mais sombrias. (Fonte: Fantaspoa)

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