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Foto do escritorHenrique Debski

CRÍTICA | Wicked, de Jon M. Chu (Wicked – Part I, 2024)

Wicked se utiliza da fantasia para dialogar com a História, com um discurso afiado, e uma primeira parte longa, mas que passa voando.



Quando finalmente anunciada a tão sonhada adaptação do musical Wicked para os cinemas, pensei que já era hora, vista a tamanha popularidade da peça e de sua legião de fãs. Mas uma notícia posterior colocou uma pulga em minha orelha: por que em duas partes? Até compreendo a justificativa da complexidade do texto, mas refletia se tal decisão não traria chances de fazer com que os filmes se estendessem por mais que o necessário, fazendo dessa tentativa de lucrar mais um verdadeiro tiro no pé – como aconteceu com a franquia Jogos Vorazes, que dividiu o clímax em dois filmes. E essa dúvida se intensificou, quando soube que o primeiro filme teria “apenas” 160 minutos.

 

Mas como de costume, tentei entrar no cinema desmunido de quaisquer preocupações ou expectativas para com o filme, e me senti aberto a aceitar aquilo que Jon M. Chu tinha a oferecer – nome esse na direção que me animava bastante, depois do excelente In The Heights. E o que encontrei aqui foi uma sensação com o diretor semelhante a que tive com Wonka, de Paul King, no ano passado: ambos são filmes que funcionam pois olham para a fantasia com encanto, e acreditam na própria existência, tais como os cineastas creem naquele universo que desenham perante às câmeras.

 

Esse é um sentimento presente desde a primeira cena, após os eventos de O Mágico de Oz, com uma cidade feliz e comemorando a derrota da bruxa, na qual a alegria voltara a reinar. Acontece que a comemoração de sua derrota vem acompanhada de uma necessidade de olhar para o passado e compreender quem de fato fora a Bruxa Má do Oeste, Elphaba.

 

Um dos precursores nessa onda atual (e já até cansativa) de ressignificação de vilões, Wicked nos propõe um olhar diferente sobre a trajetória da personagem, centrada em sua juventude, e na amizade firmada com Galinda (surpreendentemente bem na pele de Ariana Grande). O que se inicia como uma história de origem inofensiva, da menina isolada e discriminada procurando um lugar para si na Universidade, aos poucos vai tomando contornos cada vez mais sérios e sombrios frente às temáticas em que toca.

 

Com uma mise-en-scène afiada, especialmente nos números musicais que evocam a grandiosidade do universo, a partir de cenários imensos e de certo aspecto megalomaníaco, sempre muito coloridos e imprimindo uma sensação de vivacidade, seja na universidade ou na Cidade das Esmeraldas, com muita atenção aos detalhes para os transformar em ambientes habitados, a beleza é apenas um elemento superficial que esconde grandes segredos por detrás dessa falsa perfeição.

 

Enquanto (quase) todos cantam e se distraem em uma ode à insignificância das próprias vidas, são incapazes de perceber e de sentir a conspiração segregacionista que os circunda, e até mesmo a própria necessidade sentida de discriminar a protagonista por sua diferença na cor da pele, fruto de um ambiente hostil a que nem se dão conta.

 

A escolha de Cynthia Erivo como protagonista, portanto, evidentemente não se deu em vão. É por razões que vão além de suas habilidades como atriz e cantora, ambas aqui muito bem demonstradas, mas também por sua veia ativista, que encarna Elphaba junto de um alerta. Pois Wicked não é apenas uma história de origem qualquer, mas sobre como a intolerância levou sua personagem a se tornar aquilo pelo que ficou conhecida, após uma sociedade reiteradamente manipulada, virar as costas para ela.

 

Cego é que não enxerga, ao longo da narrativa, grandes alusões aos movimentos segregacionistas do século XX, e o holocausto ao qual aquele universo está à beira, em nome de uma “união”. É sobre a distração pelos mecanismos de controle, o se deixar influenciar aceitando tudo o que é dito.

 

Apesar de em determinados momentos trabalhar a superficialidade de Oz, os números musicais, a medida em que a narrativa progride, tornam-se ainda mais centrais para a expressão dos sentimentos de seus personagens, sobretudo na contraposição de Elphaba e Galinda como completos opostos – não por escolha, mas por criação -, e suas respectivas desconstruções frente àquilo que descobrem.

 

Com um desfecho catártico que deixa um ótimo gancho para a segunda parte, confesso que fico curioso para saber como será articulado esse encerramento – pois conheço bem pouco da peça de Winnie Holzman e do livro-base, escrito por Gregory Maguire.

 

Enfim, minhas preocupações com a duração se esvaíram, quando mal senti o tempo passar; e reforço meu encanto com Wicked – Parte 1 não só com a fantasia, mas como se utiliza dela para dialogar muito bem com a História - e sobretudo exaltá-la -, na proposta de trabalhar a realidade do presente sob a ótica da ficção, para que nos asseguremos de não repetir os mesmos erros, e assim evoluirmos como seres humanos.

 

Avaliação: 4/5

 

Wicked (Wicked – Part I, 2024)

Direção: Jon M. Chu

Roteiro: Winnie Holzman e Dana Fox, baseado no livro de Gregory Maguire e no texto musical de Winnie Holzman

Gênero: Aventura, Drama, Musical, Fantasia

Origem: EUA, Canadá, Islândia

Duração: 160 minutos (2h40)

Disponível: Cinemas

 

Sinopse: Elphaba, uma jovem incompreendida por causa da pele verde, e Glinda, uma jovem popular, se tornam amigas na Universidade de Shiz, na Terra de Oz. Após um encontro com o Maravilhoso Mágico de Oz, a amizade delas chega a uma encruzilhada. (Fonte: IMDB)

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