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Foto do escritorHenrique Debski

CRÍTICA | Um Lugar Silencioso: Dia Um, de Michael Sarnoski (A Quiet Place: Day One, 2024)

Michael Sarnoski abandona o mistério das criaturas para focar na solidão do caos, em uma ótima prequel do universo de Um Lugar Silencioso.



São em filmes como Um Lugar Silencioso que podemos refletir acerca de como o comportamento das pessoas nos cinemas se deteriorou após a pandemia. Naturalmente os tagarelas de plantão sempre existiram (e continuarão existindo), mas minha sessão de Um Lugar Silencioso – Dia Um foi um verdadeiro churrasco, de tão bizarra: gente falando alto, mexendo no celular e até chegando atrasado – coisa de dez minutos após o início do filme, já considerando algum tempo para trailers, avisos e propagandas -, ligando a lanterna e mirando para frente, no rosto de todos, para encontrar seu lugar (nessa não me contive e gritei para abaixar a luz).

 

Foi assim nos primeiros trinta minutos, uma falação completa e desenfreada, sem respeito ao outro e menos ainda à obra em tela, que para muitos parecia mera coadjuvante no programa cinematográfico. Mas por incrível que pareça, depois de certo tempo, o silêncio estranhamente passou a tomar conta da sala, como se as criaturas pudessem pular da imagem transmitida e atacar quem não conseguia conter a própria voz. Eis o poder do universo de Um Lugar Silencioso.

 

A situação descrita acima, de pessoas faladeiras sendo atacadas pelos monstros, é até reproduzida nos primeiros minutos desta nova entrada na franquia, o spin-off Dia Um, o primeiro não dirigido por John Krasinski, mas que se manteve ativo na produção e escrita do roteiro. Dessa vez nas mãos de Michael Sarnoski (do excelente Pig), o filme aproveita do fato de ser um derivado para explorar seu universo de maneiras distintas.

 

Os monstros aqui já não são mais um mistério, e a origem da invasão é tampouco interessante para o que Sarnoski deseja trabalhar. Colocando no centro da narrativa duas pessoas solitárias que se conhecem por acaso em razão do caos, os personagens de Lupita Nyong'o e Joseph Quinn funcionam como forças complementares aos próprios interesses, que encontram na solidão uma razão para ficarem juntos.

 

É uma relação que trabalha a própria dualidade, entre a proximidade da morte por parte dela, dada sua condição pré-existente, e a vitalidade dele, e um auxílio que ambos se prestam na realização de seus últimos desejos naquela cidade, antes barulhenta e agora extremamente hostil, de uma nova maneira, mais letal. Apesar do afeto que ambos demonstram, sobretudo pelos gestos e olhares – que mostram muito do talento do casal de atores -, os sentimentos nunca recaem sob a libido ou os prazeres carnais, mas no mais puro prazer da companhia, como um casal de amigos que se recusa a abandonar um ao outro, mesmo com as resistências por parte dela em alguns momentos.

 

Em meio a essa relação, permeada pelos perigos monstruosos à solta pela cidade, o cenário de Nova York não só é aproveitado pela ação – a primeira vez que acompanhamos personagens desse universo em uma cidade grande, que se torna um verdadeiro campo minado, ao mesmo tempo que possui boas estratégias para afastar as criaturas -, mas também de maneira reflexiva.

 

Antes barulhenta e caótica, o ambiente agora sem vida torna-se objeto da fotografia de Patrick Scola, que, além de eventualmente se inspirar em Roger Deakins, pelo trabalho com o fogo alaranjado no fundo de alguns momentos de tensão, também foca no vazio após a invasão. São pequenas coisas, como sangue nos vidros de carros abandonados, um jogo de xadrez inacabado na mesa de uma praça ou garrafas e copos de bebidas no balcão de um bar, que tornam a experiência de Dia Um mais triste, quando sabemos que, poucas horas antes, haviam pessoas felizes (ou não), tocando suas vidas e projetando sonhos adiante, sem nunca imaginar que algo como aquilo poderia acontecer.

 

Em uma relação interessante formulada pelo crítico, professor e amigo Victor Russo, a escolha de Nova York como ambientação dessa prequel no começo de tudo tece um paralelo com o traumático 11 de setembro, e o medo ainda existente na sociedade norte-americana de um ataque terrorista (link para sua crítica abaixo). Essa construção, alinhada com esse existencialismo da imagem de Sarnoski, muito se adequa também ao medo das bombas e de mais destruição abordada por Takashi Yamazaki em seu Godzilla: Minus One, como um reflexo da guerra, ainda que de maneiras, intensidades e profundidades distintas.

 

Dessa forma, Um Lugar Silencioso: Dia Um rompe, em partes, com a proposta de John Krasinski nos dois primeiros filmes da franquia, que trabalha uma relação familiar com mais ênfase na ação e no terror. Livremente, como uma prequel, ignora a origem da invasão alienígena e usa do ambiente barulhento e acelerado de uma cidade grande como Nova York para ressignificar seu espaço diante daquela nova realidade, enquanto trabalha um certo existencialismo através da imagem, e em primeiro plano uma relação de amizade que nasce em meio ao caos e à solidão do mundo naquele estado, como um casamento de conveniências orquestrado pelo destino.

 

Avaliação: 4/5

 

Um Lugar Silencioso: Dia Um (A Quiet Place: Day One, 2024)

Direção: Michael Sarnoski

Roteiro: Michael Sarnoski e John Krasinski

Gênero: Thriller, Drama, Terror

Origem: EUA, Reino Unido

Duração: 100 minutos (1h40)

Disponível: Cinemas (via Paramount Pictures)

 

Sinopse: Uma mulher fica presa na cidade de Nova York durante os estágios iniciais de uma invasão por criaturas alienígenas com audição ultrassensível. Sem grandes perspectivas de sobreviver, ela vaga entre os prédios abandonados e a destruição em busca da reconstituição de algumas memórias, enquanto faz um amigo igualmente solitário no mundo.

 

Crítica do filme escrita por Victor Russo para o portal Filmes & Filmes, mencionada acima: https://filmesefilmes.com/critica-um-lugar-silencioso-dia-um-2024---dir-michael-sarnoski

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