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Foto do escritorHenrique Debski

CRÍTICA | Todos Nós Desconhecidos, de Andrew Haigh (All of Us Strangers, 2023)

Todos Nós Desconhecidos é uma jornada de cicatrização dolorosa, e um estudo de personagem emocionante – até chegar no desfecho amargo.



Os primeiros minutos de “Todos Nós Desconhecidos” revelam sutilmente a solidão sentida por seu protagonista, Adam, em meio a uma cidade tão grande e populosa como Londres. A quase apagada sobreposição de sua imagem à vastidão da selva de pedra, cujo fim é impossível enxergar, é uma ótima maneira encontrada pela direção de Andrew Haigh para explorar o “desconhecido” de seu título. O prédio inabitado, as luzes apagadas e a geladeira vazia manifestam uma impessoalidade fácil de ser sentida nos dias atuais.

 

Essa frieza da vida cotidiana de Adam, também manifestada pela fotografia de Jamie Ramsay em seus tons azulados, é drasticamente alterada a partir dos escapismos do personagem ao dia-a-dia, com a entrada de Harry em sua vida e as constantes visitas à casa dos pais.

 

O texto de Haigh, baseado na obra literária de Taichi Yamada, é delicado ao contar sobre o passado de seu protagonista sem recorrer a diálogos expositivos, priorizando sempre o uso da imagem, a partir de seus detalhes, e abrindo o coração verbalmente nos momentos de intimidade e desabafo.

 

E está na integração passado-presente do protagonista o cerne de “Todos Nós Desconhecidos”. Percebemos, desde cedo, que sua relação de contato com os pais não se dá de maneira física e no plano real, mas sim na mente e imaginação de Adam. Os diálogos comparativos entre os anos 80 e o tempo presente partem de discursos verossímeis, comuns às pessoas daquela geração, que reproduzem falas condizentes com sua época e a vivência de sua juventude.

 

E no realismo desses discursos, nas preocupações para com o filho e no aprofundamento às razões do passado conhecemos a maneira como Adam enxergava, e hoje adulto, enxerga seus pais, com quem não tem contato há décadas. É tudo um trabalho de imaginação que se concretiza, para nós, espectadores, como uma espécie de realidade paralela. Somos convidados a testemunhar apenas o interior do coração do protagonista, que imagina tais conversas com ternura e carinho pela figura dos genitores, manifestada nos tons quentes da fotografia e nos raros sorrisos da atuação de Andrew Scott.

 

Pois, em todo o restante do tempo, vemos nele a melancolia de feridas mal cicatrizadas, de um jovem tímido que cresceu sem muitos exemplos adultos em meio a uma realidade conservadora, com medo de não o admitirem por sua orientação homossexual.

 

É quando entra o personagem de Paul Mescal, com as chaves da experiência e libertação sexual do protagonista, com quem se sente à vontade para compartilhar seus mais profundos sentimentos, enclausurados por uma vida de muitas dores não curadas. Porém é neste ponto onde o filme encontra sua maior fragilidade, ao nos apresentar uma virada narrativa, no encerrar do terceiro ato, que não consegue sustentar. Há de compreender que ficamos diante de mais uma idealização, temática essa inserta na proposta da obra, mas acaba soando algo forçado, colocado propositalmente para evitar um “final feliz”. É uma dor artificial, não pela forma como a direção conduz a cena de revelação, num silêncio eloquente, mas pelo encerramento deixado pelo próprio texto.

 

A temática de “Todos Nós Desconhecidos” é trabalhada com verossimilhança e imensa sinceridade em grande parte de seu tempo. As emoções são honestas e há um estudo de personagem doloroso através de uma história de superação, que se engrandece com o talento de Andrew Scott assumindo o protagonismo. Mas o encerrar do terceiro ato finaliza o longa com um amargor desnecessário, em uma virada sem necessidade que parece muito mais interessada em seguir uma cartilha que impede um final feliz, que enxerga problemas em o personagem terminar bem uma jornada árdua do ponto de vista emocional. Com isso, a melhor parte do filme não se invalida, mas termina sem a criatividade e a sinceridade do restante da narrativa.

 

Avaliação: 4/5

 

Todos Nós Desconhecidos (All of Us Strangers, 2023)

Direção: Andrew Haigh

Roteiro: Andrew Haigh, adaptado de Taichi Yamada (livro)

Gênero: Drama, Romance

Origem: EUA, Reino Unido

Duração: 105 minutos (1h45)

Disponível: Cinemas (via Disney/Searchlight Pictures)

 

Sinopse: Uma noite em seu prédio quase vazio em Londres, Adam tem um encontro casual com seu misterioso vizinho Harry, o que acaba abalando o ritmo de sua vida cotidiana, na qual visita seus pais em sua residência  de infância. (Fonte: Google - Adaptado)

 

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