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Foto do escritorHenrique Debski

CRÍTICA | Pobres Criaturas, de Yorgos Lanthimos (Poor Things, 2023)

A estilosa comédia satírica de Yorgos Lanthimos é um show de descobertas – para Bella e para nós.



As “Pobres Criaturas” de Yorgos Lanthimos advém de um microcosmo no qual o aprisionamento e o abuso são comuns. Ao menos foi assim para Dr. Godwin Baxter, que durante toda sua infância serviu de cobaia para seu pai, que, assim como ele próprio, um ilustre médico e cientista, usava os outros a seu redor como parte de suas experiências.

 

Mesmo sabendo estar moralmente equivocado, a ciência deixa-o cego para tomar os mesmos passos com seu novo experimento, Bella, com quem possui uma relação paternalista. De uma mente infantil presa a um corpo de adulto, a evolução de Bella é rápida o suficiente para que o ambiente seguro (e excessivamente controlado) da casa logo se torne insuficiente para sua sede de conhecimento, ao ponto de convencer o “pai”, não ironicamente apelidado de “God”, pela liberdade que tanto deseja.

 

A ausência da experiência é o que torna a jornada de Bella tão singular. Aquele mundo surrealista e “steampunk” construído por Lanthimos, inspirado pelo estilo do expressionismo alemão, é uma ótima maneira de ilustrar a ingenuidade da protagonista perante a realidade perversa em que vive como se estivesse imersa em uma grande obra de arte, colorida e, na superfície, feliz, com suas distorções promovidas por planos em ampla angular.

 

Dessa ingenuidade toma-se forma o humor, sempre referenciando (e contrariando) as regras da “sociedade polida”, em um divertido – e ácido – jogo de subversão, que através da literalidade tira seus momentos mais sagazes, especialmente quando diante do personagem de Mark Ruffalo, típico companheiro machista, possessivo e controlador, dono de uma sufocante – e tóxica - paixão pela protagonista.

 

Nessa jornada de conhecimento e descoberta do mundo, a direção de Lanthimos altera nossa percepção ao longo do tempo em relação à Bella, vivida por Emma Stone em um de seus mais notáveis trabalhos. Inicialmente filmada em preto e branco, sem experiências ou noções do mundo, o colorido se inicia com a libertação. O azul num primeiro momento, muito destacado também pelos olhos da atriz, transforma-se em tonalidades cada vez mais quentes à medida em que amadurece e transforma-se em uma mente livre e sobretudo poderosa, dona de suas escolhas, caminhos e controle sob seu corpo, algo manifestado através do sexo, cuja obra não se envergonha ou procura esconder, mas abraça com a naturalidade que tem para o ser humano, e aproveita para sua crítica satírica à masculinidade e seus abusos em relação às mulheres.

 

Cada etapa do longa, nomeada pelo lugar onde a personagem se encontra, representa uma fase de sua evolução, cuja última nos leva a conhecer a persona de Bella antes do renascimento promovido por Dr. God, nunca esquecido pela narrativa, que sempre reforça seu amor e preocupação pela protagonista, ligado tanto pelo afeto quanto pelo fator científico, sempre em voga.

 

Quando chega ao final, “Pobres Criaturas” prova-se uma viagem que, apesar da longa duração, passa muito rápido. A personalidade em construção de Bella é uma das razões de maior curiosidade para o espectador, em virtude de sua imprevisibilidade, cuja ingenuidade e falta de filtro se molda como forma de dizer o que sempre quisemos, mas nunca podemos, e sua forte percepção de mundo adquirida posteriormente é gratificante pela modernidade de seu pensamento frente a época em que está, fornecendo uma certa medida de revisionismo, mesmo que num universo fantasioso e surrealista, porém socialmente verossímil ao século XIX. É mais um grande e inesquecível trabalho de Lanthimos, dono de uma respeitável filmografia, no ápice de sua sagacidade crítica e satírica até então.


Avaliação: 5/5


Pobres Criaturas (Poor Things, 2023)

Direção: Yorgos Lanthimos

Roteiro: Tony McNamara; Alasdair Gray (autor do livro, obra-base)

Gênero: Comédia, Drama, Romance

Origem: EUA, Reino Unido, Irlanda

Duração: 141 minutos (2h21)

Disponível: Cinemas (via Disney/Fox)


Sinopse: A fantástica evolução de Bella Baxter, uma jovem que é trazida de volta à vida pelo brilhante e pouco ortodoxo cientista Dr. Godwin Baxter. Desejando conhecer mais sobre o mundo, Bella foge com Duncan Wedderburn, um advogado astuto e debochado, para uma aventura por vários continentes. Livre dos preconceitos de sua época, Bella se firma em seu propósito de defender a igualdade e a libertação.

(Fonte: Ingresso.com - Adaptado)

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