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Foto do escritorHenrique Debski

CRÍTICA | O Quarto ao Lado, de Pedro Almodóvar (The Room Next Door, 2024)

Em O Quarto ao Lado, Almodóvar discorre sobre a morte de maneira sensível, através de uma visão otimista e sem exagerar no drama.



Para uma temática tão densa, é admirável a sensibilidade de Pedro Almodóvar em abordar a eutanásia de maneira tão leve, e ainda assim bastante respeitosa, quanto fizera em O Quarto ao Lado. Apesar de não conhecer o material base – no caso, o romance em que se baseia o presente filme -, creio que o livro de Sigrid Nunez poderia oferecer diferentes abordagens, dentro daquilo que estabeleceu o cineasta, a depender de quem o adaptasse e também o dirigisse.

 

Diante do pacto que se firma entre as protagonistas Ingrid e Martha, vividas por Julianne Moore e Tilda Swinton, respectivamente, haviam muitos elementos que poderiam possibilitar uma abordagem bastante dramática ou até mesmo voltada ao thriller com doses de tensão – a porta do quarto seria um desses casos, por exemplo. O que faz Almodóvar, no entanto, é olhar para a situação que coloca diante do público com sensibilidade, e sem qualquer interesse em tornar tudo aquilo que propõe mais denso do que já é.

 

Para tanto, o caminho escolhido é por desenvolver a narrativa com empatia à decisão de uma pessoa doente e sem mais perspectivas de vida (em sua visão) decidir quando e como deseja morrer. Tudo se faz com o reestabelecimento da amizade entre duas jornalistas, muito próximas no passado, mas que seguiram caminhos distintos.

 

Em meio às conversas que tem sobre aquilo que viveram, juntas e separadas, viajamos com elas às memórias de longas vidas, especialmente no caso de Martha, uma bem-sucedida jornalista de guerra, quando conta sobre suas coberturas, aquilo que viu entre as diversas vivências nos mais variados locais do mundo em seus piores dias de morte e destruição, onde ainda assim é possível ver o amor florescendo entre pessoas. São flashbacks que trabalham a visão de mundo da personagem, e servem para que possamos compreender, mais profundamente, a decisão que tomou, frente à sua doença incurável. Ao mesmo tempo, um sentimento amargo a circunda também diante de uma reconciliação, julgada impossível, com a filha, Michelle, com quem nunca se deu bem – e reconhece, por ter sido uma mãe ausente.

 

Em meio à solidão de suas vidas, Almodóvar enfatiza justamente o contrário, a companhia para este momento final que viverão, juntas, reforçando o amor da amizade a partir dos pequenos gestos e momentos que compartilham, daquilo que fazem e do que não fazem, e sobretudo da saudade antecipada, muito bem refletida na maneira como o diretor filma o olhar de Julianne Moore, entre a felicidade de estar acompanhada da amiga, e de ter sido escolhida para aquele momento; e a tristeza de perde-la, algo que sabe ser inevitável, a fazendo lidar com seu medo da morte.

 

Ao contrário de cineastas que talvez optassem pela base na construção de um discurso contrário às decisões de Martha, O Quarto ao Lado endossa e aceita sua decisão, sustentada na própria liberdade de escolha. Ao invés de tentar desconstruir sua ideia através da personagem de Ingrid, o filme caminha pelo fortalecimento dos laços de amizade, na aceitação, de ambas as partes, em seus papeis neste processo tão difícil – e talvez extremo. É uma maneira distinta de trabalhar com a temática da eutanásia, com uma voz contundente, mas sem soar exagerado ou didático.

 

Como de costume no cinema de Almodóvar, tudo se estabelece de forma bastante sensível, e novamente a presença das cores, especialmente nos figurinos das personagens, é parte essencial da narrativa, enquanto utilizada para ilustrar, literalmente, os sentimentos das protagonistas, da esperança, com o verde, ao alerta do inevitável, através do vermelho.

 

Depois de uma extensa e já consolidada carreira, para seu primeiro longa em língua inglesa (depois de dois curtas-metragens), e com certa apreensão de sua parte, algo que comenta com certa frequência em entrevistas, Almodóvar faz uma grande estreia nos Estados Unidos com O Quarto ao Lado, levando seu estilo característico às Américas, e com duas das melhores atrizes da geração no papel principal – e realmente, não tinha como dar errado.

 

Avaliação: 4/5

 

O Quarto ao Lado (The Room Next Door, 2024)

Direção: Pedro Almodóvar

Roteiro: Pedro Almodóvar, adaptado de Sigrid Nunez (livro)

Gênero: Drama

Origem: EUA, Espanha

Duração: 107 minutos (1h47)

Disponível: Cinemas

 

Sinopse: Ingrid e Martha eram amigas próximas na juventude, quando trabalhavam juntas na mesma revista. Após anos sem contato, elas se reencontram em uma situação extrema, mas estranhamente doce. (Fonte: IMDB)

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