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Foto do escritorHenrique Debski

CRÍTICA | O Mensageiro, de Lúcia Murat (Idem, 2024)

Em uma tentativa de equilibrar múltiplas visões sobre a Ditadura, O Mensageiro de Lúcia Murat não consegue se aproximar do espectador.



Os filmes sobre a Ditadura Militar brasileira, em nosso cinema nacional, estão hoje em uma prateleira parecida com os filmes sobre a Segunda Guerra Mundial nos EUA, Reino Unido e outros países da Europa. Dadas as devidas proporções dos conflitos e momentos históricos, compartilham, em certo ponto, da semelhança de serem constantemente explorados pela arte, como forma de manter a memória viva para que nunca sejam esquecidos, e, por consequência, nunca se repitam.

 

Inclusive, o próprio filme O Mensageiro valida essa tese, quando a diretora Lúcia Murat, vítima da Ditadura brasileira, se coloca em frente à câmera, como uma professora ministrando uma aula e, dentro de seu jogo narrativo, coloca ao seu lado Hannah Arendt, vítima do Holocausto, com o seguinte questionamento, formulado pela autora e filósofa mencionada: “seria possível a nós perdoar nossos torturadores”?

 

O tom amargo de sua obra é mais do que suficiente para conhecermos, com razão, a resposta de Murat (e a menção, nos créditos finais, acerca da impunidade dos envolvidos, através da Lei da Anistia, reforça ainda mais o sentimento, quando comparado às consequências de outros regimes ditatoriais contemporâneos da América Latina e ao próprio julgamento de Nuremberg). No entanto, apesar de bastante clara a mensagem pretendida pela cineasta, estampada em seu rosto e no discurso, O Mensageiro sofre de uma falta de foco para decidir sobre qual face da Ditadura pretende tratar, e mais ainda, sob qual lente deseja olhar.

 

Pois a ideia do filme é, de maneira um tanto desorganizada, buscar pelo olhar do torturador, como sendo um ser humano; da vítima, maltratada e desumanizada; dos familiares da vítima, desesperados sem saber seu paradeiro; e da Igreja Católica, um elo que conecta a todos. Seria essa base suficiente para dois, três ou até quatro filmes direcionados por completo à uma dessas linhas. Mas da maneira como foi pensado, O Mensageiro fica com muito para desenvolver ao longo de apenas 110 minutos, tornando a experiência superficial na medida em que avança e não dá conta de explorar a fundo seus personagens.

 

Nessa extrema necessidade de equilibrar tudo, personagens relevantes perdem espaço para a conclusão de outros arcos, e situações que demandariam tempo se resolvem com velocidade, em resoluções constrangedoras, especialmente nas que envolvem a mãe da vítima, Lúcia, vivida por Georgette Fadel, e o soldado Armando, vivido por Shico Menegat, ambos muito bem, mas diante de um texto demasiadamente artificial.

 

São nesses momentos que percebemos o pouco valor que a direção concede à imagem, privilegiando o texto como forma de comunicação para com o público. Não que a palavra não tenha valor no cinema, mas como uma arte audiovisual, o potencial imagético faz a diferença e torna-se o protagonista na maneira como a história é contada, aqui colocado em segundo plano em prol de uma verborragia que soa muito pré-estabelecida, pouco natural na forma como vem de seus personagens, mais interessados em soltar frases bonitas e bem montadas, que facilmente serviriam de citações vazias, do que efetivamente colocar o dedo na ferida que são os sentimentos de cada um.

 

E é aí que O Mensageiro se encontra na mesma prateleira dos filmes de Segunda Guerra anteriormente mencionados. Enquanto passagens históricas relevantes, repletas de histórias, são bases temáticas que vêm sendo um tanto desgastadas pelo cinema nos últimos anos, em razão de uma enxurrada de filmes que bebem de fontes estéticas parecidas, que acabam, aos poucos, se tornando genéricos. São poucos, então, que realmente conseguem se destacar por uma abordagem mais ousada ou diferenciada que será lembrado como um bom exemplar em meio a tantos outros. E apesar de O Mensageiro ter atributos, como todo filme tem, especialmente com a forma que Murat materializa parte de seus traumas do passado, é um longa que não consegue se dissociar de seus semelhantes ou ao menos ser lembrado, seja pela estética pouco memorável, ou pela narrativa distante e seus personagens superficiais.

 

Avaliação: 2/5

 

O Mensageiro (Idem, 2024)

Direção: Lúcia Murat

Roteiro: Lúcia Murat e Tunico Amancio

Gênero: Drama

Origem: Brasil

Duração: 110 minutos (1h50)

Disponível: Cinemas (via Imovision)

 

Sinopse: Vera, presa numa fortaleza militar durante a ditadura, em 1969, conhece um soldado, Armando, que, diante da tortura, decide levar uma mensagem para a família de Vera. Assim, ele estabelece uma relação afetiva com D. Maria, mãe de Vera. (Fonte: Imovision e Primeiro Plano)

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