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Foto do escritorHenrique Debski

CRÍTICA | O Menino e a Garça, de Hayao Miyazaki (The Boy and the Heron, 2023)

Em “O Menino e a Garça”, Miyazaki debruça sobre o luto em um universo fantasioso e assustadoramente complexo.



Há algumas semanas, em uma conversa despretensiosa com meu amigo Vitor, do podcast Obsessões e da página Sessões de Cinema (no Instagram), discutíamos o “gênero” animação (que não é bem um gênero, mas para facilitar aqui coloquemos assim). Após eu dizer que não é meu estilo favorito de narrativa, algo que ele disse, justificando sua paixão por, me chamou muito a atenção: através da animação, o impossível do live-action torna-se possível.

 

Por alguns dias, fiquei com isso em mente. E após assistir “O Menino e a Garça”, acredito que tenha compreendido bem o argumento, já que neste ficamos diante de uma narrativa cuja fantasia só consegue se desenvolver e impactar da maneira pretendida fazendo uso do estilo animado.

 

“O Menino e a Garça” se inicia de maneira dolorosa, com um enorme incêndio no hospital da cidade em que vive Mahito, o protagonista, o qual corre, em vão, para tentar salvar sua mãe. Cada passo dado o leva em direção a um inevitável luto que terá de viver, e uma grande perda que terá de, cedo ou tarde, superar.

 

De maneira semelhante com “Alice no País das Maravilhas”, a forma de lidar com a falta de seu exemplo materno se dá com a ida, junto ao pai, para o interior do país, e a entrada em um fantasioso universo paralelo, para o qual ele é atraído com a promessa de rever sua falecida mãe. Aos poucos, é claro, ele descobre ser aquela realidade muito mais complexa do que aparenta, e parece ser ele a chave para sua estabilidade.

 

Entretanto, enquanto Alice entra no mundo paralelo de maneira repentina e até sedenta pela aventura escapista, Mahito se mostra bastante maduro para a idade que tem, especialmente por sua resistência em aderir ao suspeito chamado da Garça, que muito soava como uma armadilha. Há toda uma dinâmica de desconfiança, sempre constante, e sobretudo uma tentativa de superar o luto com a solidão, até que o protagonista decida, enfim, aderir a aventura.

 

Quando a curiosidade vence, e se escolhe o caminho da fantasia, somos apresentados, arrisco dizer, a um dos mais belos e complexos mundos já pensados no cinema. Com muito a se desenvolver e regras específicas que reinam naquele local, Hayao Miyazaki opta por uma espécie de minimalismo expositivo. Isto é, somos apresentados apenas ao necessário, aqueles elementos essenciais que guiarão a jornada de Mahito. As explicações são sempre bastante objetivas, e o texto falado é utilizado apenas de modo complementar, tendo em vista que a imagem é o principal meio de desenvolvimento narrativo – como, no cinema, sempre deve ser. Isso porque acompanhamos de perto o protagonista, e colocados em sua pele, temos acesso apenas às mesmas informações do que ele.

 

Então, dentre as escassas informações sobre o universo de “O Menino e a Garça”, há muito espaço para a interpretação. Diversos elementos e personagens funcionam como alegorias entre os mundos – e tal comparação é interessante de se fazer -, mas a compreensão de tudo aquilo fica a cargo de cada um de nós, espectadores. Sempre haverá um debate sobre o que de fato existe naquele espaço, e quem aquilo representa ou diz sobre toda a narrativa – vide o mausoléu na ilha ou até mesmo a própria Garça, a personagem mais fascinante e misteriosa.

 

Quando se encerra, de maneira belíssima, “O Menino e a Garça” nos deixa um sentimento de “quero mais”, para conhecer e explorar melhor aquele mundo. Claro, na proposta, menos é mais, e tal sentimento só revela a grandeza do universo de Miyazaki, especialmente pelo altíssimo nível de detalhamento em cada plano de seu filme, que não poupa esforços na dura e complexa jornada de seu protagonista. É, certamente, um dos filmes que melhor se utilizam do infinito potencial permitido pela animação, em um mundo não só completo, mas inquietante, assustador (até mesmo aos adultos), verossímil e fantasioso ao mesmo tempo.

 

Avaliação: 4.5/5

 

O Menino e a Garça (The Boy and the Heron / Kimitachi Wa Dô Ikiru Ka, 2023)

Direção: Hayao Miyazaki

Roteiro: Hayao Miyazaki

Gênero: Aventura, Drama, Animação

Origem: Japão

Duração: 124 minutos (2h04)

Disponível: Cinemas (via Sato Company)

 

Sinopse: Depois de perder a mãe durante a guerra, Mahito muda-se para o campo com seu pai. Lá, uma série de eventos misteriosos o levam a uma torre antiga, lar de uma garça cinzenta, onde ele entra em um mundo fantástico compartilhado pelos vivos e pelos mortos.

(Fonte: IMDB - Adaptado)

 

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