A partir do universo único de Tim Burton, O Estranho Mundo de Jack debate uma crise de identidade em uma mistura grotesca do Halloween com o Natal.
O universo de Tim Burton é tão singular que podemos identifica-lo à distância, até mesmo quando não assina a direção de determinado projeto, mas participa ativamente, de alguma maneira, do processo de nascimento do filme. É o caso de O Estranho Mundo de Jack, o qual Burton assina como idealizador, na escrita da história original, criação dos personagens e produção.
Sua narrativa macabra, recheada de personagens excêntricos é como um reforço a seus elementos característicos já vistos em outras obras anteriores, como o próprio Beetlejuice e toda a realidade do pós-vida, expandida na sequência lançada neste ano. Entretanto, por se tratar de uma obra voltada a um público familiar, sentiu-se uma árdua necessidade de tornar sua Halloween Town habitada por criaturas menos ameaçadoras, mas igualmente grotescas à maneira como pede o texto.
Henry Selick, em seu primeiro longa na cadeira de diretor, depois de alguns anos já trabalhando como animador em outros projetos, muito habilmente desmistifica os personagens logo na primeira cena, em um ótimo número musical introdutório da cidade em que se passa o filme, cuja função não se restringe a conhecermos aquela realidade fantasiosa, como também já construir certa relação de empatia para com os habitantes daquele local aparentemente hostil.
Existe, nesse meio, um humor bastante mórbido – e super bem encaixado à proposta – na forma do visual das criaturas, bastante únicas, com funções alegóricas que representam o mais comum da cultura de Halloween norte-americana, bem como relacionada a seu próprio povo, enquanto sociedade (subtexto esse que fica à cargo dos adultos).
Já o protagonista, Jack, detentor e “líder” local desse estranho mundo, onde é respeitado e visto como um rei, vive uma crise de identidade, questionando seu futuro e o próprio propósito em sua eterna ligação com o Halloween. É por meio da aventura, ao descobrir outras realidades diversas da sua e que seu mundo não é o único existente, que passa a experimentar e buscar sua verdadeira vocação.
Quando se encanta por outro feriado e resolve usurpar o Natal, é como se tentasse buscar por novos ares e uma fuga da própria rotina. Em sua reinterpretação equivocada de uma data completamente diferente da sua, os eventos desastrosos apenas confirmam aquilo que nós, enquanto público, sabemos desde o princípio, e que ele não percebe – o quão ridícula é sua tentativa de ser algo que não é, e sobretudo não compreende.
A dúvida vivida pelo personagem, no entanto, é bastante genuína enquanto nada mais do que uma grande metáfora para nós mesmos, vivendo no mundo real, quando nos questionamos sobre os rumos de nossas vidas e a felicidade em exercemos nossas funções na sociedade em que nos inserimos.
Como uma época de positividade, otimismo e união, que marca o fim de mais um ciclo em nosso tradicional calendário gregoriano, enxergamos no Natal, baseado em uma construção social baseada nas influências do cristianismo, uma oportunidade de (re)descoberta. É exatamente o que faz O Estranho Mundo de Jack, a sua maneira, de explorar um dos muitos significados do Natal a partir de seu próprio contexto alegórico, e trabalhar esse aspecto social ao qual o feriado faz referência.
É, então, um filme sobre o reencontro, a reconexão consigo mesmo, e o enxergar a própria vida sob outras perspectivas – até porque talvez o que precisamos está em nossa frente o tempo todo. Apesar da obviedade das mensagens que deseja passar, o longa dirigido por Henry Selick e idealizado por Tim Burton não é nada previsível na forma como desenvolve sua proposta, a partir de um universo rico e muito bem construído, sobretudo no campo visual, repleto de detalhes e articulado na intenção de mostrar o máximo possível de si, através de uma animação stop-motion engenhosa, sobretudo para a época. Fico me perguntando, então, como nunca havia assistido O Estranho Mundo de Jack, uma grande surpresa deste ano para mim.
Avaliação: 5/5
O Estranho Mundo de Jack (The Nightmare Before Christmas, 1993)
Direção: Henry Selick
Roteiro: Tim Burton (história e personagens), Michael McDowell (adaptação) e Caroline Thompson (roteiro adaptado)
Gênero: Aventura, Animação, Musical
Origem: EUA
Duração: 76 minutos (1h16)
Disponível: Disney+
Sinopse: Jack Skellington, o Rei das Abóboras, se cansa de fazer o Dia das Bruxas todos os anos e deixa os limites da cidade. Por acaso, acaba atravessando o portal do Natal, onde vê a alegria do espírito natalino. Ao retornar para a Cidade do Halloween, sem ter compreendido o que viu, ele começa a convencer os cidadãos a sequestrarem o Papai Noel e fazerem seu próprio Natal. (Fonte: Google)
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