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Foto do escritorHenrique Debski

CRÍTICA | O Corvo, de Rupert Sanders (The Crow, 2024)

Em uma nova adaptação que ninguém pediu, O Corvo de Rupert Sanders esvazia qualquer boa ideia em prol de um longa genérico e confuso.



Ainda hoje, mais de trinta anos depois, O Corvo, de Alex Proyas, segue marcado pela tragédia no set que vitimou o promissor Brandon Lee aos 28 anos de idade. Mas para além dessa lembrança cruel, é um filme que consegue trabalhar muito bem a temática do amor envolta em uma história de vingança, direta e brutal, sem necessariamente recorrer à violência gráfica, enquanto todo o aspecto psicológico do protagonista já supre tal necessidade, sobretudo diante da situação em que se encontra, do que testemunhou, e a razão pela qual volta do mundo dos mortos para a decadência do mundo dos vivos.

 

Todo o estilo gótico e sombrio daquela cidade apodrecida pela maldade e violência contribuem para uma jornada em um mundo excêntrico. E apesar de ter envelhecido bem, é um filme fruto de seu tempo, que rendeu inúmeras sequências caça-níquel, totalmente incapazes de reproduzir o trabalho de Proyas.

 

É aí que após anos de discussões a respeito de uma possível refilmagem, Rupert Sanders assume o encargo. Em um primeiro momento, sua ideia é admirável, enquanto se utilizando da mesma base, o clássico quadrinho de mesmo nome escrito por James O'Barr, baseado em sua tragédia pessoal, tenta de toda forma sair da sombra do longa de 1994, buscando por uma abordagem contemporânea e alinhada aos padrões do cinema de ação de hoje em dia, muito sob a influência de John Wick e suas dúzias de “clones”, assim como um maior destaque para a relação amorosa que motiva toda a jornada de vingança.

 

No entanto, o projeto, que prometia uma nova visão para O Corvo, sob uma perspectiva diferente, de reimaginação, resultou em uma série de decisões erradas, a começar pela péssima abordagem adotada pelo roteiro de Zach Baylin e William Josef Schneider, enquanto buscam por uma complexidade na narrativa que, além de desnecessária, o texto é incapaz de atingir pela maneira como escrito.

 

A relação romântica entre Eric e Shelly, o pilar central de toda a trama, é dotado de uma tentativa de profundidade que, da maneira como abordado, soa como um tiro no próprio pé. Isso porque os roteiristas confundem algo básico: a paixão escaldante de um casal em início de relacionamento com o amor verdadeiro existente em seus corações, que os tornam almas gêmeas. Da maneira como retratado por Sanders, há de compreender que ambos possuem passados conturbados dos quais não se orgulham, mas em momento algum o relacionamento existente entre os personagens de Bill Skarsgård e FKA Twigs aparenta chegar ao ponto do amor verdadeiro. Não que não houvesse esse amor, até poderia, mas o curto espaço de tempo entre os eventos é insuficiente para uma construção eficiente capaz de gerar todos os acontecimentos, inclusive motivados por razões anteriores ao “estarem juntos”.

 

É o que nos leva ao antagonista, e sua pré-existente relação com a personagem de Twigs. Eu até aprecio a ideia de o mesmo também tratar-se de uma pessoa ligada ao submundo, o que rompe com a simples ideia da organização criminosa da obra de 1994, e refresca um pouco as ideias. Mas além de o personagem não possuir qualquer desenvolvimento real para além de algumas frases que revelam sobre si, e produzir uma ameaça bastante genérica pela forma como manifesta seus poderes com coadjuvantes pouco importantes, sua presença em cena é esquecível enquanto o longa não possui qualquer inspiração estética capaz de individualiza-lo, assim como sua equipe ou a cidade, e a própria escalação de Danny Huston (um bom ator, acomodado, diga-se de passagem) para vive-lo contribui para o erro, em razão de sua costumeira participação como o mesmo tipo e arquétipo de vilão em pelo menos um filme por ano.

 

E nem para por aí. Tudo o que existe no entorno daquela realidade ou é explorado pelo roteiro a partir de diálogos expositivos, sem qualquer sutileza; ou apresenta claras incongruências em relação a própria lógica interna e temporal; ou, o pior de tudo: é simplesmente ignorado. O próprio corvo, nessa toada, não possui qualquer envolvimento ou importância na narrativa, senão voar de um lado para o outro e ter para si a câmera de Rupert Sanders apontada, apenas para não esquecermos o título do filme, que serve até como forma de justifica-lo, pois mitologia ou simbologia são elementos descartados.

 

Então, se nem ao menos um pouco de inspiração visual na arte esta versão de O Corvo é capaz de contar em seu favor, a ação deveria assumir o destaque, o que também não acontece, enquanto escanteada na tentativa de equilibrar seus tantos outros elementos. A violência gráfica exagerada e brutalidade das poucas cenas de ação (cerca de duas ou três, apenas, todas presentes quase na íntegra no trailer) parecem apenas existir para compensar as notáveis falhas em todos os seus outros aspectos, até porque não são nem de longe o interesse maior desse projeto (que no fundo não parece interessado em nada). E o mais curioso é como, de fato, todo o trabalho deste longa nos remete a uma estética anos 2010 de ação fantasiosa, mesmo que na tentativa de um estilo mais voltado para a agilidade de John Wick, na medida em que Sanders exagera em planos inclinados ou na própria câmera girando, o que casa bem com seus decepcionantes trabalhos anteriores, também adaptações não tão bem-sucedidas.

 

Por um lado, é admirável a tentativa de um refresco para uma nova versão de O Corvo, mais alinhada com a atualidade e rompendo, quase que por completo, com o filme de Alex Proyas e suas sequências. Mas mesmo com a dedicação de Bill Skarsgård com seu personagem, dando notavelmente o seu melhor, a repaginada pretendida é um grande fracasso enquanto filme de ação e também enquanto romance, prometendo ser algo que nunca consegue, e provando, mais uma vez, que as vezes a simplicidade é a chave para uma boa história.

 

Avaliação: 1.5/5

 

O Corvo (The Crow, 2024)

Direção: Rupert Sanders

Roteiro: Zach Baylin e William Josef Schneider, adaptado de James O'Barr (quadrinhos).

Gênero: Ação, Thriller, Romance

Origem: EUA, Reino Unido, França

Duração: 110 minutos (1h50)

Disponível: Cinemas (via Imagem Filmes/California Filmes)

 

Sinopse: Eric Draven e Shelly Webster são almas gêmeas conectadas por um passado sombrio. Após o brutal assassinato do casal, é concedido a Eric uma chance de salvar seu verdadeiro amor. Ele, então, embarca em uma jornada implacável por vingança.

(Fonte: IMDB)

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