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Foto do escritorHenrique Debski

CRÍTICA | Não Fale o Mal, de James Watkins (Speak No Evil, 2024)

Em tempo recorde, a refilmagem hollywoodiana de Não Fale o Mal aposta no caminho seguro e num desfecho puramente americano.



A refilmagem norte-americana, produzida pela Blumhouse, do terror dinamarquês Não Fale o Mal, de Christian Tafdrup, viajou à trem-bala, quando mal chegou aos cinemas com dois anos de diferença. Nessa onda de oportunismo hollywoodiano, que sempre existiu, e têm se tornado cada vez maior, vejo, em uma analogia culinária, esse remake como um hamburguer: gostoso, mas com sabor típico do fast-food dos Estados Unidos, com o perdão do trocadilho.

 

Qualquer um pode fazer um hamburguer, mas ficar saboroso é outra história. São as formas de preparo, o ponto da carne, os molhos, temperos e até a salada colocada no sanduiche que podem ser o grande diferencial entre o bom e o delicioso. O filme dinamarquês tem um tempero único, um enclausuramento social dos protagonistas e do espectador em um lugar desconhecido, e no limiar entre a estranheza familiar e as diferenças culturais, sempre deixando no ar a pergunta de qual dos dois se aplica ao caso concreto, e quem está exagerando – os anfitriões ou os convidados?

 

Desde o anúncio dessa nova versão eu refletia sobre a possibilidade de se recriar essa atmosfera densa e claustrofóbica de Não Fale o Mal, que à época até me fez passar uma noite mal dormida; e sobretudo a reprodução do macabro desfecho, que foge bastante à alçada “feliz” dos EUA. E o resultado é justamente um filme a cara de Hollywood, que durante boa parte do tempo apenas percorre os mesmos passos da obra base, para no terço final apresentar uma solução completamente diferente, caminhando para o lado oposto, como de se esperar.

 

Acontece que a direção de James Watkins, apesar de manter o clima denso e desconfortável, parece tentar suavizar todo esse incômodo, diluindo as provocações em situações mais longas, cada vez menos contundentes, e dando ênfase na opção do “algo errado” cedo demais, enquanto seu roteiro descarta por completo as diferenças culturais em prol de um ambiente nitidamente hostil desde cedo.

 

Muito do mistério acaba indo por água abaixo a partir dessa decisão, e torna Não Fale o Mal mais um tradicional thriller/terror de sequestro, quase como algo inspirado num “true crime”, sem necessariamente amplas motivações, senão um modus operandi brutal e bizarro, com uma tensa sequência de ação – que inclusive me fez pensar a razão para situarem a obra na Inglaterra e não nos EUA, quando em seu próprio país poderia oferecer uma leitura diferente da situação e encontrar a possibilidade de trilhar novos caminhos sem precisar recriar momentos idênticos, e dar asas para algo com mais identidade. A partir dessa virada no terceiro ato, não há muito suspense, senão violência e lutas para todos os lados, na contramão da postura pacifista do casal original.

 

Por um lado, isso impede que o longa seja um tanto pretensioso com um desfecho metafórico, o lado mais divisivo do outro (que também não é um problema, senão pela brusca mudança de tom realista por algo mais simbólico), e uma de suas mais marcantes características, que inclusive tem minha admiração pela coragem do encerramento. Neste novo, não só se tem a reprodução, eficaz até, daquilo que já vimos trocentas vezes outrora, em outros filmes, como também sem tanto frescor, repetindo artifícios batidos que já até se tornaram convenções.

 

O que ajuda, então, esta nova versão se a se tornar mais intrigante ao espectador é o engajamento do elenco, encabeçado por James McAvoy, uma ameaça intensa, auxiliado por Aisling Franciosi, e o casal composto por Mackenzie Davis e Scoot McNairy, enquanto nossos representantes e receptores de uma hostilidade velada no desconforto proposital – além, é claro, das crianças.

 

Dessa forma, Não Fale o Mal poderia muito bem ter ficado mais tempo no forno para cozinhar melhores ideias – e originais -, ou pelo menos caprichar mais no tempero, de forma que se individualizasse e pudesse se desprender do material base. O que vemos nesta refilmagem é praticamente o mesmo filme num tom um pouco mais suave, em um sistema de pesos e contrapesos em relação aos personagens e suas parcelas de culpa, com um desfecho diferente, e a face um filme puramente norte-americano, por vezes bastante genérico, ainda que funcione bem como passatempo.

 

Avaliação: 2.5/5

 

Não Fale o Mal (Speak No Evil, 2024)

Direção: James Watkins

Roteiro: James Watkins, adaptado do roteiro original de Speak No Evil (2022), escrito por Christian Tafdrup e Mads Tafdrup

Gênero: Thriller, Terror

Origem: EUA, Croácia, Canadá

Duração: 110 minutos (1h50)

Disponível: Cinemas

 

Sinopse: Uma família é convidada por uma família de amigos que conheceram em uma viagem para passar um fim de semana em uma casa de campo tranquila, mas sem saber que suas férias logo se transformarão em um pesadelo psicológico.

(Fonte: IMDB - Adaptado)

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