CRÍTICA | Nosferatu, de Robert Eggers (Idem, 2024)
- Henrique Debski
- 13 de jan.
- 3 min de leitura
O Nosferatu de Robert Eggers vai além de uma refilmagem qualquer – é uma densa reinterpretação do monstro clássico sob o olhar do mundo presente.

Mais de um século depois de Nosferatu, praticamente uma versão plagiada de Drácula – ou livremente inspirada no vampiro -, enfurecer a viúva de Bram Stoker, o autor agora pode descansar em paz, com seu nome devidamente creditado pela nova reimaginação de Robert Eggers do absoluto clássico e pioneiro do terror, dirigido pelo igualmente brilhante F.W. Murnau.
Retomando a tradicional claustrofobia de seu cinema, que ficou um pouco de lado em O Homem do Norte, o Nosferatu de Eggers nunca renega as origens, tanto do cineasta quando do material em que se baseia. Isto porque o Expressionismo Alemão, movimento do qual o longa de Murnau faz parte, é referenciado e retrabalhado sob as óticas contemporâneas, tanto no eixo formal quanto temático, através da construção de um vilão nas bases de um subtexto muito maior do que a de um vampiro com sede de sangue, como muitas vezes assistimos ao Drácula – e por tabela, o próprio Nosferatu – sendo representado em outras produções pouco interessadas em seguir caminhos que vão além do óbvio ou do batido.
Para além de uma mera criatura monstruosa e naturalmente sedenta aos personagens envolvidos na narrativa, Conde Orlok aqui representa algo muito maior à sua vítima principal e objeto de desejo, Ellen, vivida por Lily Rose-Depp. Na forma de uma obsessão, é como se a imagem do antagonista se desdobrasse em duas: no plano físico, um perseguidor/stalker, que tenta de toda forma cerca-la para conseguir aquilo que deseja; e no plano mental e espiritual, ele é a própria depressão, materializada. No fundo, ambas se misturam na construção de um monstro poderoso por seus meios manipulativos, e ao mesmo tempo torturador de maneiras impensáveis.
Muito dessa experiência funciona na medida em que a direção transporta os medos de seus personagens para o espectador, através de uma criatura que, em boa parte do tempo, se esconde nas sombras de uma depressiva Alemanha do século XIX. Tal como mesmo com a simplicidade tecnológica do início do século passado Murnau ainda amedronta com seu cinema, Eggers faz uso de recursos semelhantes, como a profundidade de campo, para a elaboração de uma atmosfera densa e imprevisível, até onde possível, e uma trilha discreta, porém fundamental para uma ambientação pesada, cuja direção de arte exagera no excesso de objetos em cena, de forma a nos desorientar, junto de uma fotografia escura o suficiente para nos fazer perder o senso de realidade, em cujos pesadelos dos protagonistas se misturam de maneiras intermináveis.
E mesmo que em uma produção norte-americana, também falada na maior parte do tempo em inglês, tanto o alemão quanto o romeno são partes integrantes da obra, na caracterização de Bill Skarsgård como Orlok, em seus diálogos poéticos (e rebuscados), proferidos em um brilhante tom de voz imponente.
Ainda assim, mesmo com todo seu estilo característico e repleto de autoralidade, Eggers nem sempre consegue manter seu Nosferatu totalmente imprevisível, justamente pelo excesso de outras adaptações, a contar pelo próprio ser uma versão livremente inspirada em Drácula. Não que seja algo ruim, e se encontra até um tanto fora do controle do cineasta, mas a duração de 130 minutos em alguns momentos pode ser sentida em meio a narrativa em partes já tão conhecida.
Mas isso, de maneira alguma, apaga os méritos de Nosferatu como um longa robusto, em forma e conteúdo. Muito além de uma mera refilmagem, o filme de Robert Eggers oferece uma releitura contemporânea do monstro clássico, enxergado sob uma roupagem social, que usa de uma obra de ficção do passado para falar do presente, e, mais ainda, sufocar o espectador junto aos personagens – e especialmente sua protagonista, acometida por uma violenta repressão sexual - em uma viagem claustrofóbica a (mais) este universo perturbador.
Avaliação: 4/5
Nosferatu (Idem, 2024)
Direção: Robert Eggers
Roteiro: Robert Eggers, adaptado de Henrik Galeen (filme) e inspirado no livro de Bram Stoker
Gênero: Terror, Drama
Origem: EUA, Reino Unido, Hungria
Duração: 132 minutos (2h12)
Disponível: Cinemas
Sinopse: Um conto gótico de obsessão entre uma jovem assombrada na Alemanha do século XIX e o antigo vampiro da Transilvânia que a persegue, trazendo consigo um horror incalculável. (Fonte: IMDB)
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