CRÍTICA | Nas Terras Perdidas, de Paul W. S. Anderson (In the Lost Lands, 2025)
- Henrique Debski
- há 3 dias
- 4 min de leitura
Nas Terras Perdidas é mais uma prova da inefetividade de Paul W. S. Anderson como diretor, enquanto incapaz de desenvolver um universo, personagens ou mesmo bons momentos de ação.

Quando penso na filmografia de Paul W. S. Anderson, reflito sobre o que aconteceu com aquele jovem e promissor cineasta que, aos vinte e nove anos de idade, dirigiu com vigor Shopping (1994). A anarquia, evidentemente, não deixou sua obra desde então, manifestando-se de diferentes maneiras em boa parte de suas produções seguintes, de Resident Evil a’Os Três Mosqueteiros, a última - e desastrosa - adaptação da obra de Alexandre Dumas realizada nos Estados Unidos, em 2011.
O que parece é que, ao longo dos anos, Anderson deixou-se levar por um defeito que se tornou hábito: o emprego de recursos estilísticos que não parecem preocupar-se em contribuir para a forma como a história é contada, senão pela construção vazia de cenas supostamente bonitas nas quais acredita fazer algo genial, quando sua incapacidade em torna-las efetivas à narrativa, revela, enfim, a sua infinita mediocridade – e quiçá incompetência – enquanto um diretor de cinema.
Muito dessa ideia cada vez mais sedimentada em minha mente se confirma com Nas Terras Perdidas, adaptação de um conto homônimo escrito por George R. R. Martin. Apesar do rico pano de fundo apresentado no filme logo em seus primeiros minutos, na disputa entre a Igreja e o Estado pelo controle da última cidade daquele mundo desértico e pós-apocalíptico, há uma inexplicável impaciência por parte do roteiro de Anderson e Constantin Werner em apresentar aquele universo. Todas as peças são, descuidadamente, posicionadas sob um tabuleiro sem a preocupação de aprofundá-las, seja a rainha, o patriarca (e sua general), ou mesmo os protagonistas de Dave Bautista e Mila Jovovich.
Não há interesse, por exemplo, em explorar o porque daquele mundo se tornar daquela maneira, ou a razão pela qual existem seres sobrenaturais caminhando entre os humanos. Muito menos ainda há algum interesse em se debruçar sobre a natureza e personalidade desses personagens em tela, cujos elementos fantásticos são justamente a chave para que toda a narrativa se desenrole, no entorno, única e exclusivamente, de uma reviravolta que tenta mesclar política, ego, poder e ambição.
Ainda que haja algum interesse em desenvolver uma trama política nessa realidade evidentemente politizada, não existe qualquer construção por parte do texto que permita tal caminho a ser trilhado, quando o mesmo, em toda oportunidade, parece abster-se de tentar se aproximar de algo que exija um posicionamento, de alguma maneira, que não uma crítica óbvia e batida à religião, ainda que muito válida. Baseando-se em tantas outras obras pós-apocalípticas, Nas Terras Perdidas não se aproxima de reproduzir o caos (no bom sentido) do universo de Mad Max (em especial Estrada da Fúria e Furiosa), as instituições de Star Wars (em sua efetiva simplicidade), e nem tampouco a complexidade de Duna (um sonho inalcançável). O máximo que chega, na tentativa de atingir algum desses patamares, é de um faroeste pós-apocalíptico, com interessantes elementos de videogame, que também não são explorados, senão para a viagem dos protagonistas por um mapa e alguns perigos inofensivos que enfrentam pelo trajeto.
Nesse caminho, mesmo com seus poucos personagens, além de não conseguir desenvolvê-los adequadamente, sobretudo em suas motivações, ainda é capaz de se esquecer da básica relação de causa e consequência entre os eventos, eliminando o lastro que justamente poderia, de maneira natural, explorar as verdadeiras intenções de cada um neste jogo de manipulações, voluntárias e involuntárias. O problema em que se encontra é tamanho, e no formato de uma bola de neve tão grande que, com o tempo, nem mesmo os diálogos expositivos, especialmente na reta final, acabam sendo suficientes para justificar boa parte dos eventos que ocorreram até ali.
O pior de tudo é que, como se não bastasse uma tamanha dificuldade em encontrar sentido na história sendo contada, o trato da imagem também não colabora, desde as cores e a iluminação saturada da fotografia de Glen MacPherson até a artificialidade com a qual se constrói aquele mundo a partir de efeitos visuais precários, que fingem-se de “descolados” ou “estilosos” quando apenas são realmente mal acabados.
A decupagem de Anderson, em muitas oportunidades, apenas parece procurar, em vão, por ângulos pouco convencionais para soar autoral, quando pouco contribuem para a cena em que se aplicam, sem nada a acrescentar ou trabalhar de fato na imagem para a narrativa. Já quando na ação, essa decupagem é ainda pior, ao se mostrar incapaz de construir geograficamente seus ambientes, e abusar da câmera lenta sem ao menos construir algo genuinamente interessante com esse recurso - algo que nem Zack Snyder, em seus infinitos defeitos enquanto diretor, deixa acontecer recorrentemente como aqui. Essa confusão então, já fruto das filmagens, não consegue ser consertada pela montagem de Niven Howie, que até pode aliviar o problema, mas sem tanto sucesso quando em boa parte do tempo é quase tudo incompreensível.
E assim, sobra muito pouco, ou praticamente nada, para valorizar em Nas Terras Perdidas, senão um vislumbre do que poderia ter sido, se escrito e dirigido por alguém que realmente soubesse o que faz - ou quisesse fazer. Em uma mescla de tantos elementos e ideias anteriores já presentes no cinema de Paul W. S. Anderson, é como se apresentasse aqui um resumo de suas piores características enquanto diretor, que em muito se assemelha a um adolescente ou talvez um cineasta iniciante ainda em processo de aprendizagem para com uma câmera, brincando de filmar e editar seus filmes caseiros. Mas falamos de um cineasta com sessenta anos de idade, e mais de trinta de carreira, que pode, sim, dirigir com afinco bons projetos – como fizera há trinta anos em Shopping, justamente seu primeiro longa. Basta querer.
Avaliação: 1/5
Nas Terras Perdidas (In the Lost Lands, 2025)
Direção: Paul W. S. Anderson
Roteiro: Paul W. S. Anderson e Constantin Werner, adaptado de Geroge R. R. Martin (conto)
Gênero: Ação, Aventura, Thriller
Origem: EUA, Canadá, Alemanha
Duração: 101 minutos (1h41)
Disponível: Cinemas
Sinopse: Uma rainha, desesperada para ganhar o dom da mudança de forma, toma uma atitude ousada: contrata a feiticeira Gray Alys, uma mulher tão temida quanto poderosa. Enviada para a selva fantasmagórica das Terras Perdidas, Alys e seu guia, o andarilho Boyce, devem enganar e lutar contra o homem e o diabo em uma fábula que explora a natureza do bem e do mal, da dívida e da satisfação, do amor e da perda. (Fonte: TMDB)
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