Megalopolis é o sonho de Coppola – um filme arriscado que se usa de uma realidade fantástica para explorar a própria visão do mundo em que vivemos, sobre passado, presente e a busca por um futuro.
Desde as primeiras informações acerca da produção de Megalopolis, Francis Ford Coppola, há alguns anos já afastado do cinema, sempre afirmou que era seu filme mais arriscado. Com o investimento tirado do próprio bolso, financiamento independente, e um gasto de mais de cento e vinte milhões de dólares, o projeto é o sonho de sua vida, algo que começou nos anos 80, e por décadas nunca saiu do papel.
Já em Cannes, e tantos outros festivais em que o filme fora exibido antes da estreia no circuito comercial, o cineasta chegou a dizer que Megalopolis era uma experiência como nenhuma outra no cinema. Essa frase, confesso, me deixou intrigado, sem saber o que pensar, até assistir ao filme para concluir que, de fato, é uma experiência única.
Megalopolis não é uma reinvenção da roda, e talvez nem seja exatamente um marco revolucionário na sétima arte – isso é o tempo que irá dizer -, mas o que Coppola nos propõe é uma maneira diferente de enxergar o potencial da imagem enquanto forma de se contar uma história.
Sua narrativa acompanha a grandeza da cidade de Nova Roma, uma outra versão de Nova York, construída sob as influências da antiga Roma. Apoiando-se nas bases mais antigas aos seres humanos, o que temos é uma grande disputa pelo controle e pelo poder da cidade, uma das maiores potencias mundiais, e vítima de grandes guerras de ego e vozes cada vez mais altas e eloquentes.
Não é à toa que a História se repete. Ela vive se repetindo ao longo dos milênios, séculos e décadas, ainda que através de analogias não tão óbvias quanto esta. Em boa parte do tempo, é isto que Megalopolis deseja comunicar, e nos levar a uma viagem ao submundo político e aos bastidores do poder de uma realidade como tantas outras.
É onde se encontra, no centro de tudo, os personagens de Cesar Catilina (vivido pelo excelente Adam Driver) e o atual prefeito, Cicero (Giancarlo Esposito, um ator de talento, aqui muito bem aproveitado), em uma rivalidade que dá um passo além quando Cesar começa a se relacionar com Julia, a filha do prefeito.
A partir dessa espécie de triângulo familiar é que podemos conhecer mais a fundo dos sentimentos desses personagens, com dois deles envoltos em uma trama romântica não aceita pelo terceiro, que emerge as sombras de um passado não resolvido entre os dois, que, pelo bem de uma cidade, precisarão se conciliar – e discutir sobre a construção ou não da tão sonhada Megalopolis de Cesar, um projeto megalomaníaco e que promete ser o começo de uma grande utopia em Nova Roma.
Certamente que Coppola se identifica muito com o personagem de Cesar. Não é à toa que o elege como protagonista, e o observa com um olhar de encanto, através de uma câmera que o engrandece perante à cidade e até mesmo ao prefeito, como um grande gênio, amargurado pelo passado, vítima de constantes sabotagens e tentativas de derrubá-lo, e o único homem que verdadeiramente conseguirá salvar a cidade da crise em que se encontra. Por óbvio que a megalomania de Megalopolis possui um duplo sentido: ao filme, um projeto arquitetônico de dimensões colossais, com uma promessa utópica; e ao cineasta, o investimento da própria fortuna, em um filme que promete, e tenta, subverter as rédeas do cinema em prol de algo novo, diferente.
No desenrolar da narrativa Coppola brinca com a linguagem cinematográfica através de uma experimentação, seja pela forma como é montada, se utilizando de recortes, comparações e até o uso de imagens de arquivo histórico em algumas oportunidades; como também no abraço à fantasia; na fotografia e nos planos que exploram o sentimento dos personagens através de suas próprias mentes, como a excelente sequência do Coliseu; e até mesmo nos figurinos, que mesclam as vestimentas da antiguidade com estilos contemporâneos, de forma única a cada personagem em tela, sobretudo pelo que representam à cidade de Nova Roma.
De fato, o que Coppola construiu em Megalopolis é uma grande fábula. Em uma história, deixa claro o cineasta que nem tudo precisa ser conhecido ou compreendido nos mínimos detalhes, ainda que busque aprofundar cada segmento de sua narrativa. O importante de verdade é que possa ser sentida, é aquilo que desperta em seu espectador, e o como este é manipulado a partir da imagem, e não só do texto. No fundo, é sobre a eterna busca pelo poder, entre aqueles que o querem para satisfazer seus próprios interesses e os que realmente acreditam em ajudar o próximo, com o dinheiro figurando como a grande arma e instrumento para obtê-lo. É uma jornada de esperança e desesperança, uma representação do mundo real a partir de uma realidade fantástica, em um filme ousado que desafia a dinâmica dos estúdios e das grandes produções, autofinanciado e também servindo como a face um grande diretor, experimentando e criando algo diferente no final de sua carreira, ao seu próprio, e inigualável, estilo.
É por isso que Magelopolis é também uma afronta à face blockbuster do cinema hollywoodiano atual, da zona de conforto dos grandes estúdios, investindo em remakes e nas mesmas histórias de sempre, sem mais tentar arriscar ou inovar com coisas novas, sobretudo na linguagem cinematográfica. O resultado talvez seja um fracasso de bilheteria sem precedentes, mas de forma alguma isso retira a validade da mensagem de Coppola, que pôde livremente se debruçar sobre sua fábula assumidamente arriscada e, como tem-se dito, imperfeita, neste longa de altíssimo orçamento, e realização do sonho de um dos maiores cineastas vivos.
Avaliação: 5/5
Megalopolis (Idem, 2024)
Direção: Francis Ford Coppola
Roteiro: Francis Ford Coppola
Gênero: Drama, Fantasia
Origem: EUA
Duração: 138 minutos (2h18)
Disponível: Cinemas
Sinopse: A cidade de Nova Roma é palco de um conflito entre Cesar Catilina, um artista genial em busca de um futuro utópico, e o ganancioso prefeito Franklin Cicero. Entre os dois está Julia Cicero, com a lealdade dividida entre o pai e o amado. (Fonte: IMDB - Adaptado)
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