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Foto do escritorHenrique Debski

CRÍTICA | Jurado Nº 2, de Clint Eastwood (Juror #2, 2024)

O Jurado Nº 2 de Clint Eastwood coloca em xeque a noção de Justiça no ordenamento jurídico norte-americano, sob o crivo do homem médio.



Nestas últimas décadas de sua carreira, o veterano do cinema Clint Eastwood tem se virado para trás com um certo olhar para rejeitar o saudosismo. É na desconstrução do arquétipo de seus personagens clássicos e alguns valores que seus filmes mais antigos tanto defendiam que revelam a visão de mundo atual do diretor, no auge de seus noventa e quatro anos de idade. É algo que já vem acontecendo há certo tempo, desde que em Os Imperdoáveis ele rejeitara a morte no velho-oeste como solução de problemas, na pele de seu personagem Bill Munny; ou interpretando o amargurado Walt Kowalski em Gran Torino; até seu último trabalho em frente às câmeras, vivendo Mike Milo em Cry Macho.

 

Ao mesmo tempo em que parte de sua filmografia recente tem se dedicado à desconstrução dessas personalidades, quando apenas por detrás das câmeras Clint tem discutido também, em outros filmes, o papel do Estado na relação com a justiça. Em 2019, O Caso Richard Jewell debatia justamente o tema na fase do inquérito policial, através das investigações, na qual um homem inocente é acusado e perseguido por um crime que não cometeu, na desesperada busca do FBI por um culpado para um atentado que vitimou uma dezena de pessoas; e agora, com seu mais novo projeto, o olhar se direciona à etapa do julgamento.

 

Como um drama jurídico, Jurado Nº 2 vai direto ao ponto, com o dedo na ferida, ao questionar o que deve prevalecer, em um Estado democrático, se a “justiça social”, pela personalidade do agente, ou se a “justiça real”, pelos fatos ocorridos. Claramente essa não é uma pergunta direta, tendo em vista o lugar privilegiado ocupado pelo público na visualização do caso concreto sob uma ótica bastante restrita, que apenas uma pessoa verdadeiramente tem acesso.

 

A priori, esse estranho questionamento possui uma resposta bastante óbvia, tanto do ponto de vista legal quanto à luz dos valores morais, mas o texto de Jonathan A. Abrams coloca o espectador em uma encruzilhada, a partir de seu protagonista, Justin, vivido por Nicholas Hoult. Acontece que, dentre todas as pessoas no Tribunal e envolvidas com o processo, apenas ele, o jurado número 2, parece saber precisamente o que houve na noite do crime julgado, e que o réu em questão provavelmente não é o verdadeiro culpado.

 

Não é um mistério do tipo “whodunit”, e a identidade do responsável é desde cedo revelada. Independente a motivação, ou as condições fáticas do ocorrido, existe uma grande dúvida acerca do que há de ser feito: deixar um membro de gangue ser julgado (e possivelmente condenado) por um crime que não cometeu, ou assumir as rédeas dos próprios erros?

 

Diante dessa situação, a direção de Clint não precisa se desgastar com palavras para explorar as sensações de angústia do protagonista, quando pode fazê-la através do uso da própria imagem. As persianas, tanto de casa como do Tribunal, transformam-se em barras, e a memória dos fatos o assombram a todo custo, sabendo que todos interpretam o caso da maneira errada. Assim, a clausura é um elemento perseguidor, tanto na mente do personagem, enquanto sua própria consciência o pune pela falta da verdade; quanto na realidade, a partir da sala dos jurados, em que, preso ao julgamento, inexiste a possibilidade de se esquecer da verdade.

 

A medida que o tempo passa, cada discussão colocada à mesa na sala dos jurados preocupa ainda mais o protagonista, na mescla da culpa com o medo de ser descoberto. É como se, por vezes, assistíssemos a uma releitura do clássico Doze Homens e uma Sentença, ressignificado na visão de um jurado ligado diretamente ao fato criminoso, junto ao risco de uma injustiça ser cometida.

 

O melhor é que, ao contrário de outros dramas de tribunal, sobretudo aqueles dos anos 1990/2000, quando o subgênero se tornara muito popular em Hollywood, o Jurado Nº 2 de Clint não busca, em seu desfecho, por soluções absurdas ou reviravoltas mirabolantes, mas retorna com resquícios ao lugar comum do cineasta, já que, pouco a pouco, se direciona para um duelo entre o protagonista Justin e a promotora Faith Killebrew (na pele da excelente Toni Collette), munidos, respectivamente, de mentira e verdade, com a consciência de ambos posiciona ao centro.

 

Quando, então, finalmente conhecemos a posição adotada pelo protagonista frente à situação que tanto o perturba, é que compreendemos, de fato, onde o cineasta pretendia chegar. É sobre a dignidade da Justiça, a sua efetividade, e o comportamento do cidadão comum, o homem médio norte-americano, frente aos valores que defende sob o manto da bandeira de seu país. No fim das contas, acaba por colocar em xeque o próprio ordenamento, e por admitir o quão falho é o ser humano.

 

Avaliação: 5/5

 

Jurado Nº 2 (Juror #2, 2024)

Direção: Clint Eastwood

Roteiro: Jonathan A. Abrams

Gênero: Drama, Thriller

Origem: EUA

Duração: 114 minutos (1h54)

Disponível: Max

 

Sinopse: Jornalista e pai de família, Justin Kemp atua como jurado em um midiático julgamento de homicídio, e se vê lutando contra um sério dilema moral - esse que influenciar o veredicto do júri. (Fonte: IMDB - Adaptado)

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