Já com seu estilo estabelecido, a terceira temporada de Heartstopper dá passos adiante nos relacionamentos entre os personagens, mantendo a sensibilidade e a maturidade de sempre.
Curiosamente, Heartstopper foi uma série que conheci por acaso no catálogo da Netflix, no ano de sua primeira temporada. Talvez já tivesse ouvido falar nos livros que adapta, escritos por Alice Oseman, também criadora da série, mas comecei a assistir despretensiosamente depois de ouvir bons elogios vindo de amigos. Eu imaginava talvez uma série adolescente, como tantas outras, de romance, entre dois jovens que se conhecem na escola. Mas o que encontrei foi algo profundamente mais interessante e até corajoso do que isso.
Na verdade, Heartstopper busca por uma desmistificação, ainda que bastante otimista e idealizada, da vida amorosa, através de uma constante quebra de barreiras envolvendo inúmeros relacionamentos, de diversos tipos e maneiras. Mais do que isso, a partir de sua segunda temporada, com certo didatismo (as vezes até exagerado), nos ensina um pouco mais sobre os significados da sigla LGBTQIAPN+, nos direcionando pelos caminhos do respeito e apoio às formas como aqueles ao nosso redor se identificam e gostariam de ser vistos e conhecidos.
Ao mesmo tempo, também trabalha as diversas facetas dos relacionamentos, com Charlie e Nick ao centro, com o olhar da câmera e da narrativa mais aproximado. No primeiro ano, ambos se conheceram e se aproximaram – enfrentando a violência psicológica e física do bullying, e caminhando em direção ao próprio autodescobrimento. Já no segundo ano, seguimos em meio a manutenção do relacionamento em seus primeiros momentos, ainda repletos de incertezas de um em relação ao outro (de ambos os lados), e as preocupações daquilo que lhes aflige para além do universo “juntos”.
Nesta terceira temporada, ficamos diante de uma maior aproximação entre o casal protagonista e seu grupo de amigos, dissipando mais o foco para abarcar, ao menos um pouco, dos sentimentos e do lado pessoal de todos. A vida não é um mar de rosas, dentro ou fora de um relacionamento. Todos nós, como pessoas que somos, vivemos rodeados de naturais incertezas acerca de nós mesmos, como bem se tenta demonstrar aqui. É o caso da irmã de Charlie, Tori, que exerce um papel central no tratamento e no bem-estar do irmão, quando os pais não o compreendem; e o próprio arco dos casais Tara/Darcy e Tao/Elle, sobre morar juntos e a paixão exagerada de começo de relação.
No entanto, apesar de mais esparso, o foco central permanece voltado aos personagens vividos por Joe Locke e Kit Connor, ainda mais à vontade entre si e na pele de Charlie e Nick. Com mais profundidade, a ansiedade é o tema da vez, representada pela direção de Andy Newbery (que substitui Euros Lyn) a partir de uma nuvem obscura desenhada de maneira cartunesca, responsável por flashes de imaginação de reações negativas ou maus acontecimentos que suas decisões podem acarretar, sempre no plano do “e se”.
Nisso, há de se observar uma condução um pouco mais realista por parte do novo diretor, que mesmo mantendo o estilo sensível da série e a irretocável direção de arte, colorida e até fantasiosa, abandona parte do ar exageradamente formalista de Lyn em prol de uma câmera mais fluida por seus ambientes, que se movimenta mais na tentativa de captar sentimentos e a atmosfera dos momentos. O próprio aspecto cartunesco é um tanto deixado de lado para depositar atenção na troca de olhares das cenas românticas, e focar no toque como elemento essencial, justamente quando outra temática abarcada é a intimidade, e o sexo como uma forma de aproximação.
Quando chega ao assunto delicado, ainda mais tendo em vista o público adolescente, tudo é filmado com muita cautela e sem recorrer à exposição dos personagens, com as situações-chave se mantendo subentendidas, com vista em não espetacularizar o prazer de maneira apelativa, quando justamente essa não é a proposta, mas a busca por algo mais natural.
Entre as três temporadas, talvez esta seja a mais previsível em relação aos conflitos que estabelece, em razão da maneira consolidada na qual se encontram os relacionamentos em tela, já em estágios mais avançados. No entanto, nem por isso é mais fraca que as demais, mesmo que, por vezes, pareça acostar-se em uma zona de conforto. Fato é que Heartstopper continua, e mais, evolui na maturidade demonstrada por sua autora, Alice Oseman, pela maneira como trata seus personagens e os desenvolve, sempre com a constância da aproximação entre si, como casais e amigos, bem como na intimidade que estabelecem, também, com o público. É uma série que continua nos envolvendo de maneira única, da mesma forma que, com otimismo, debate temáticas sérias, atuais e universais, sob a ótica das pessoas LGBTQIAPN+.
Avaliação: 4.5/5
Heartstopper – 3ª Temporada (Idem, 2024)
Criação: Alice Oseman
Gênero: Romance
Origem: Reino Unido
Duração: 8 episódios - 30 minutos em média cada episódio
Disponível: Netflix
Sinopse: Nick, Charlie e seu grupo de amigos lidam a aproximação do fim do ano letivo, e com ele, o frio na barriga para a tão sonhada vida universitária. Entre as alegrias e desafios, todos devem aprender a apoiar-se naqueles que amam quando a vida não corre como planejado.
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