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Foto do escritorHenrique Debski

CRÍTICA | Entrelinhas, de Guto Pasko (Idem, 2024)

O longa de Guto Pasko explora as entrelinhas da Ditadura Militar brasileira, a partir da brutalidade e do desespero dos torturados.



Eu sempre achei bastante divertido pensar no conceito de “filmes irmãos” ou “filmes gêmeos”, aqueles lançados em um curto espaço de tempo (meses ou talvez um ano), que apresentam narrativas semelhantes e utilizam-se de bases parecidas para desenvolver suas premissas, que eventualmente conversam entre si. É o caso de FormiguinhaZ (1998) e Vida de Inseto (1998); Invasão à Casa Branca (2013) e O Ataque (2013); Sexo sem Compromisso (2011) e Amizade Colorida (2011); e já neste ano, Imaculada e A Primeira Profecia.

 

No cenário nacional, sem me recordar de casos anteriores, temos um exemplo do fenômeno neste ano de 2024, envolvendo dois longas que desde o ano anterior fizeram parte da seleção oficial de festivais e receberam prêmios. É o caso de O Mensageiro (de Lúcia Murat, com crítica já publicada aqui no Cineolhar) e Entrelinhas (dirigido por Guto Pasko), ambos em exibição nos cinemas ao mesmo tempo.

 

Estruturando-se a partir de bases semelhantes, com uma narrativa situada na Ditadura Militar, que coloca uma jovem adulta na mira de torturadores audaciosos e sem misericórdia, debatendo a violência e o desespero, das vítimas e suas famílias, é curioso como até seus eixos temáticos encontram-se próximos um do outro, e os próprios elementos (torturador, vítima, família da vítima e a proximidade da Igreja Católica de ambos os lados), mas cuja abordagem diferente dos assuntos, mais conexos entre si e amarrado através de um único arco, fazem de Entrelinhas bem mais eloquente do que seu colega.

 

É que o longa de Guto Pasko não busca necessariamente por uma história de romance, ou por trabalhar com uma crise de consciência por parte de algum personagem que integra o polo antagonista – ele até ensaia, e demonstra certa aversão por parte de um homem específico, que assiste às sessões e interrogatórios -, mas caminha para o lado contrário. Seu foco verdadeiro é na tensão e na incerteza, e na maneira como a tortura não se limita à vítima presa e espancada, mas chega à família, desesperada e sem informações do que acontece com seus entes queridos, enquanto se desdobram e até se humilham para conseguir um mínimo de informações.

 

E por muito é nessa via que trafega a obra do cineasta paranaense, ao referenciar movimentos da resistência no sul do Brasil, enquanto constrói o quebra-cabeças em meio a uma correria que deixa o espectador, assim como a protagonista, desnorteado diante das sucessivas torturas e violências sofridas, que nos atinge através de uma forte carga psicológica de dor, manifestada das mais variadas formas.

 

Por outro lado, existe também um grande mistério por trás da protagonista, acerca do quão envolvida está com o movimento de resistência, que torna tudo mais instigante a nós que passivamente acompanhamos a narrativa, enquanto as diversas respostas dadas para as mesmas perguntas constroem uma grande e complexa incerteza no entorno da verdade, em um jogo de manipulação jogado simultaneamente por ambas as partes, na tentativa de vencer a batalha.

 

É durante esse jogo de verdades e mentiras que Pasko explora a tortura de maneiras absurdas, que apesar de parecerem exageradas e até inverossímeis, refletem métodos efetivamente usados na época, e não apenas em solo nacional como também em outros países da América Latina, aproveitando inclusive do próprio cenário do Sul do Brasil, enquanto um dos poucos longas que fogem dos eixos mais tradicionais, concentrados no Rio de Janeiro, São Paulo e eventualmente, já em menor escala, Brasília.

 

Em uma grande cartada final, ao mostrar a facilidade dos poderosos em jogar a sujeira para baixo do tapete, e a intensidade do efeito hierárquico da esfera militar, Entrelinhas encerra sua narrativa com um excelente plano que reflete a imagem do Brasil na Ditadura, em meio a violência de um governo que fere cidadãos e ignora os direitos humanos na luta por uma ameaça invisível e irreal, mostrando estudantes sendo espancados na porta da universidade pelas forças armadas, com a canção tema do programa de rádio estatal A Voz do Brasil (no ar até os dias de hoje) ao fundo, em um desfecho catártico, que ilustra tempos sombrios de um Brasil que, como brasileiros, não temos saudades.

 

Avaliação: 3.5/5

 

Entrelinhas (Idem, 2024)

Direção: Guto Pasko

Roteiro: Guto Pasko, Rafael Monteiro, Tiago Lipka e Sebastian S. Claro

Gênero: Drama, Thriller

Origem: Brasil

Duração: 90 minutos (1h30)

Disponível: Cinemas (via Elo Studios)

 

Sinopse: 1970. Beatriz, estudante brasileira de 18 anos é presa e torturada por dez dias pela ditadura militar acusada de pertencer a movimentos estudantis subversivos e a uma célula de uma guerrilha armada que luta contra o regime, a VAR-Palmares. (Fonte: Elo Studios, GP7 Cinema e FT Estratégias)

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