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Foto do escritorHenrique Debski

CRÍTICA | Duna: Parte Dois, de Denis Villeneuve (Dune: Part Two, 2024)

Em Duna: Parte Dois, o fundamentalismo religioso serve como um alerta ao presente para as “soluções milagrosas”.



Assim como a primeira parte de “Duna”, lançada em 2021, o que há de mais notável em “Duna – Parte II” é a riqueza do universo construído por Frank Herbert na década de 1960, e transportado para as telas de cinema por Denis Villeneuve.

 

Com a consciência da dificuldade que seria a elaboração de todo aquele mundo no audiovisual – ainda mais com a fracassada tentativa de David Lynch, um diretor de talento, nos anos 1980 -, a divisão do primeiro livro em duas obras cinematográficas foi a decisão mais acertada, ao custo de uma introdução monótona, mas meticulosamente planejada para uma épica sequência que desse conta de uma enorme quantidade de eventos sem que fossem necessárias interrupções para a exposição de conceitos.

 

Dessa maneira, enquanto toda a primeira parte de “Duna” é centrada no estabelecimento do universo, seus polos de poder e conflitos, de forma a posicionar cada peça na mesa, a Parte II dedica seus primeiros minutos a uma complementação desse cenário, para colocar todos em constante movimentação com a influência política e religiosa exercida por Paul Atreides.

 

Para tanto, há uma grande e complexa jornada de compreensão e autodescobrimento. É o conhecimento de uma cultura diversa, e a prova de que pode ser visto como um nativo – no caso, um Fremen. Muito disso, por outro lado, é facilitado com o apelo ao fundamentalismo religioso e nas profecias em que os Fremen tanto acreditam, que sugerem a existência de um salvador que os libertará para uma terra com água em abundância e sem misérias, e derrotará o inimigo que há tanto tempo os oprime.

 

E nesse mundo Villeneuve não apenas transforma cada ambiente em um espetáculo visual completo, mas também os utiliza no desenvolvimento das Grandes Casas e integrantes. Além da imensidão, que coloca seus personagens como míseros grãos de areia em um universo tão grande, algo que a fotografia de Greig Fraser enfatiza muito bem, a cor que falta na terra dos Harkonnen, predominantemente branca e preta, revela muito de seu desprezo pela vida (a introdução do antagonista de Austin Butler, em uma excelente performance, é prova disso). Enquanto isso, os Fremen, que valorizam o que está a sua volta, são dotados de saturação na paleta alaranjada, típica do deserto, a quem mais respeitam, além da água e da própria vida.

 

Assim como para o desenvolvimento de cada Casa e povo, o ambiente é também utilizado para articular a ação. Os perigos do deserto e os métodos Fremen de sobrevivência são estabelecidos de tal forma que é possível compreender suas artimanhas quando partem para os conflitos e a defesa de seu território, fazendo uso da natureza como meio de locomoção e estratégia militar, dentro das limitações que possuem em relação aos equipamentos.

 

Estes costumes adaptativos compartilhados pelos Fremen se dão por um histórico de opressão e vivência com o mínimo de recursos, que seria suprida pela chegada de seu salvador, Lisan al Gaib (a “voz do mundo exterior”).

 

No cenário, a chegada de Paul Atraides se dá acompanhada por todo um ar de predestinação, observado por Villeneuve com desconfiança. Em cada passo dado pelo personagem, e em cada decisão por ele tomada, existe algo que se move nas sombras, que não pode ser visto claramente – nem por ele, e nem por nós, exceto quando mostrados os planos das Bene Gesserit. O que a História nos ensina, Frank Herbert reproduz e a direção fortalece é que grandes personalidades atraem mentes manipuladores, que, no caso de um profeta, se fortalece justamente com a ideia do ser predestinado, ainda mais quando essa própria mente ajuda a criar e fomentar tal imagem.

 

E “Duna” nada mais é do que um grande reflexo da realidade, que, mesmo quase sessenta anos mais tarde, continua atual, assim como os milênios anteriores à obra também permanecem igualmente dialogando com seu conteúdo. O mundo gerido pelo ser humano se move por interesses, cujos olhos de todos crescem quando veem o poder.

 

Paul Atreides, em suas mais nobres intenções, além de sofrer com manipulação, também possui seus próprios interesses, que envolvem seu nome, vingança, e mesmo que evite, sabendo as consequências futuras e possíveis tragédias, a aceitação de seu título messiânico, essa que seria a melhor forma de atingir seus objetivos. Nesse aspecto há um duelo interior, onde a ideia de “fazer o fácil ou fazer o certo” não aparece tão óbvia (e Timothée Chalamet, com seu olhar receoso, imprime tal sentimento em Paul), e sua atenção se divide entre os conselhos da mãe e os de sua “parceira”, Chani, em uma ótima relação de antagonismo evidenciada por Rebecca Ferguson e Zendaya.

 

Ao final, a mensagem deixada pela épica narrativa de “Duna – Parte II”, que estabelece ótimas rimas internas consigo e com a primeira parte, vem em forma de alerta, numa boa hora. Em um mundo que acredita em milagres, há de sermos, como seres humanos, cuidadosos naquilo que pensamos em acreditar, para não depositar todas as nossas confianças em uma única solução arriscada, cujas consequências futuras podem ser imensuráveis e irreversíveis. A fé pode servir como um elemento importante ao homem, desde que não o torne cego para a realidade.

 

Avaliação: 5/5


Duna: Parte Dois (Dune: Part Two, 2024)

Direção: Denis Villeneuve

Roteiro: Denis Villeneuve e Jon Spaihts, adaptado de Frank Herbert (livro)

Gênero: Ação, Thriller, Drama, Aventura

Origem: EUA, Canadá

Duração: 166 minutos (2h46)

Disponível: Cinemas (via Warner Bros. Pictures)

 

Sinopse: Diante da difícil escolha entre o amor de sua vida e o destino do universo conhecido, Paul Atreides, agora ao lado de Chani e dos Fremen, dará tudo de si para impedir o futuro terrível que só ele pode prever e evitar. (Fonte: IMDB - Adaptado)

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