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Foto do escritorHenrique Debski

CRÍTICA | Domingo à Noite, de André Bushatsky (Idem, 2024)

Em Domingo à Noite, o Alzheimer serve como a força motriz de uma reconciliação familiar.



Enquanto para muitas famílias brasileiras a noite de domingo costuma ser um momento de união e confraternização, a já idosa e bem-sucedida atriz Margot (vivida por Marieta Severo) se encontra na árdua missão de cuidar de seu marido Antônio (Zécarlos Machado), um escritor de sucesso acometido pelo mal de Alzheimer em estágio avançado. Afastada de seus filhos, em uma casa grande, e sem ainda ter superado alguns fantasmas passados, a descoberta de também ter a doença a faz tentar reconectar a família.

 

A abordagem do mal de Alzheimer tem sido recorrente no cinema recente, utilizado como ferramenta de debate para a conscientização não apenas da doença, mas também da memória, sob diferentes perspectivas, desde a imersão proposta por Meu Pai (Florian Zeller, 2021) ao desenvolvimento em pessoas de meia idade, como Para Sempre Alice (Richard Glatzer e Wash Westmoreland, 2014) e A Suspeita (Pedro Peregrino, 2022), e até em diálogo com a História, como propõe A Memória Infinita (Maite Alberdi, 2023).

 

Através de um clima denso e no cenário de uma família fragmentada, Domingo à Noite reforça, a cada minuto, a importância da sinceridade e do diálogo no núcleo familiar, ao colocar o Alzheimer como a força motriz de uma conciliação.

 

Desde os primeiros minutos, é possível perceber a existência de muita mágoa por trás do olhar de Margot, que sempre mantém uma postura forte para além do cuidado de seu marido, usada para esconder a dissonância gerada por assuntos mal resolvidos e fatos que não deseja aceitar. A cada nota aguda de piano que soa pela trilha sonora, uma pontada no coração pode ser sentida pela versatilidade de Marieta Severo, tão forte quanto sua personagem, quando se tem em vista seu excelente trabalho e o difícil momento de vida que passava durante as filmagens.

 

A densidade de seus sentimentos e o conflito interno se externizam quando a câmera mira em Antônio – outra grande atuação, de Zécarlos Machado -, e na dor de ver um importante nome da literatura, e sobretudo um marido com quem dividiu uma vida sem conseguir confiar na própria memória, ou sequer reconhecer os filhos – uma ótima contraposição entre si pelo texto, e pelo trabalho de Natália Lage e Johnnas Oliva.

 

É a partir do núcleo familiar em sentido amplo que o roteiro de Bruno Gonzalez aborda o Alzheimer, através do cuidado com a pessoa doente, o momento do diagnóstico e o impacto em quem está no entorno, explorando, assim, a complexidade dos personagens e os forçando a externalizar sentimentos reprimidos.

 

O tempo, nesse caso, atua como um catalisador de feridas, doloroso pela pressão que exerce em torno da iminência de sua falta, mas necessário para colocar às claras o elefante na sala que ali já persiste há anos. A direção de André Bushatsky tem bastante consciência desse cenário, e não só reforça a falta que faz o tempo através dos sinais deixados por Margot em seu diagnóstico como também filma, muitas vezes, com uma fotografia fria e uma câmera quase sempre distante.

 

Em meio ao inevitável passar da vida, Domingo à Noite, de sua própria forma, relembra a necessidade de sermos sinceros para com quem amamos, e de nunca deixar para depois o que pode ser conversado e resolvido hoje, por mais difícil que seja.

 

Por fim, arriscando-me soar clichê, acredito que o longa de Bushatsky em muito lembra uma sempre citada frase atribuída à Charles Chaplin, que, até mesmo pelo objeto de comparação – o teatro -, em muito dialoga com Domingo à Noite, sob o aspecto da metalinguagem e fora dele:

 

A vida é uma peça de teatro que não permite ensaios. Por isso, cante, chore, dance, ria e viva intensamente, antes que a cortina se feche e a peça termine sem aplausos. – Charles Chaplin.

 

Avaliação: 4.5/5

 

Domingo à Noite (Idem, 2024)

Direção: André Bushatsky

Roteiro: Bruno Gonzalez

Gênero: Drama

Origem: Brasil

Duração: 87 minutos (1h27)

Disponível: Cinemas (via O2 Play)

 

Margot tem 75 anos e é uma grande atriz, casada há mais de 50 anos com Antônio, um escritor premiado e com Alzheimer avançado. Enquanto luta para manter a independência deles e cuidar do marido sozinha, e manter o amor deles vivo diante da falta de memória do marido, ela descobre que também tem Alzheimer, e precisará se reconectar com os filhos para manter a independência. (Fonte: 02 Play - Adaptado)

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