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Foto do escritorHenrique Debski

CRÍTICA | Coringa: Delírio a Dois, de Todd Phillips (Joker: Folie à Deux, 2024)

Com Delírio a Dois, Todd Phillips tenta reajustar o legado deixado por Coringa, mas se contradiz em suas próprias ideias.



Como se o Coringa de 2019 clamasse por uma continuação, na dinâmica dos grandes estúdios o dinheiro sempre fala mais alto. É claro que o filme de um dos mais adorados vilões do Batman atrairia muita atenção, e a decisão de fazê-lo foi com certeza um acerto bilionário, ainda mais com a roupagem séria de um thriller digno de Martin Scorsese adotada pela direção de Todd Phillips, buscando no mestre sua inspiração para um projeto que desejava ir muito além da mera “história do vilão”, reprovando seus atos, mas sem deixar de lado a compaixão pela maneira como se tornou vítima da sociedade – e ainda assim, com olhares críticos sob suas condutas.

 

No entanto, a figura do Coringa recebeu uma recepção complicada por parte da comunidade “incel”, que abraçou seus significados em uma comparação que, na maior parte dos casos, passa longe de combinar. Então, aproveitando a deixa para a realização de uma sequência, o caminho escolhido por Phillips foi de uma grande resposta a essas pessoas e a esse legado “maldito”, o que, durante parte do tempo, funciona, até começar a se contradizer.

 

É que Delírio a Dois se utiliza da mesma fórmula do filme anterior para agora desconstruir o Coringa diante da imagem de Arthur Fleck. Se antes acompanhávamos a transformação de um personagem passivo e violentado pela sociedade em uma grande ameaça, reação essa espontânea e explosiva aos anos de ódio acumulado, agora há de fazer com que o Coringa retorne ao posto de Arthur Fleck. Ao menos é isso que parece Phillips desejar fazer perante às câmeras e olhos do povo em um grande julgamento midiático por seus crimes, em meio às constantes manipulações sofridas pelo protagonista por todos os lados e um senso de imprevisibilidade latente, em relação ao próprio comportamento social.

 

O melhor disso, inclusive, são as luzes lançadas a outros pontos de vista em relação aos eventos do primeiro filme, com os depoimentos das testemunhas e possíveis outras vítimas em potencial do protagonista, lançando seus sentimentos, os impactos e as manchas deixadas em suas vidas – algumas até irrecuperáveis.

 

Acontece que toda essa ideia desagua em um beco sem saída, ao menos pelo que foi projetado por Phillips e Scott Silver na escrita do roteiro. A inserção de Arlequina na narrativa serve justamente de fomento ao conflito entre as personalidades, com a representação da insanidade e da influência dela sobre ele através das passagens musicais. Mas como um filme que se expressa muito bem por meio do texto e da própria imagem, a música não encontra espaço senão para reforçar sentimentos de maneiras enfadonhas, reiteradamente cansativas e, pior, desnecessárias.

 

Como um filme do Coringa, a loucura poderia muito bem ser trabalhada através de um espetáculo que representasse a mente do protagonista dentro da duvida causada por essa dualidade. Havia uma possibilidade para ceder à fantasia, e como uma obra pautada em referências, abraçar o musical clássico como na era de ouro de Hollywood (o que até se faz por alguns segundos isolados), repleto de coreografias exageradas, ainda mais com o talento vocal de Lady Gaga. Porém, houve um concreto receio do diretor em seguir por essa vertente, tornando seus números musicais enxutos, pouco inspirados e até cansativos pela forma como pecam no excesso (em quantidade), e tem pouco a dizer, apenas arrastando a narrativa.

 

Às vezes, é como se Delírio a Dois tivesse nascido a partir de uma grande reunião de ideais, que, sozinhas, serviriam para diversos projetos de sequência, mas que, juntas, não conseguem se conectar pela própria natureza paradoxal existente entre si. É justamente o caso de mesclar o tempo de Fleck na prisão com o julgamento e a influência de Arlequina. As linhas são tantas que, juntas, se mostraram inconciliáveis, chegando a um desfecho que contradiz por completo a mensagem de subversão buscada durante todo o filme, flertando novamente com o legado antes combatido, em um tiro no pé apto a desperdiçar duas horas do espectador com uma mensagem que, ao final, não consegue se sustentar.

 

O que nos segura, então, na poltrona é a imprevisibilidade da narrativa, nunca recompensada diante de uma obra que coloca, novamente, seu protagonista para sofrer, porém agora sem nenhuma reação de sua parte. A proposta de ajustar este legado e promover a desconstrução do personagem foi muito boa, mas percorrer o mesmo caminho para um encerramento tão fraco e contraditório mostra o quão covardes foram as decisões do diretor, incapaz de defender suas próprias ideias em meio a conflitos ideológicos e pontas soltas largadas para todos os lados. Talvez uma das grandes decepções deste ano, pois havia muito potencial para se aproveitar.

 

Avaliação: 2/5

 

Coringa: Delírio à Dois (Joker: Folie à Deux, 2024)

Direção: Todd Phillips

Roteiro: Todd Phillips e Scott Silver

Gênero: Thriller, Drama, Musical

Origem: EUA, Canadá

Duração: 138 minutos (2h18)

Disponível: Cinemas

 

Sinopse: O comediante fracassado Arthur Fleck conhece o amor de sua vida, Harley Quinn, enquanto está encarcerado no Hospital Psiquiátrico Arkham. Os dois embarcam em uma desventura romântica condenada, enquanto ele aguarda seu julgamento midiático pelos crimes que cometeu.

(Fonte: IMDB - Adaptado)

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