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Foto do escritorHenrique Debski

CRÍTICA | Casa Izabel, de Gil Baroni (Idem, 2024)

A aparente realidade liberal do microcosmo de Casa Izabel apenas reforça o conservadorismo da Ditadura na figura dos próprios homens.



Os minutos iniciais de Casa Izabel propõem uma base de estranhamento ao espectador, em meio a chegada de um novato ao retiro interiorano que nomeia o filme. Em uma fazenda afastada da realidade urbana da Ditadura Militar brasileira, no início dos anos 1970, homens se reúnem em uma antiga casa grande construída por uma elite escravocrata para se vestirem como mulheres e viver fantasias luxuosas e imaginar vidas diferentes, em realidades idealizadas e sem a burocracia do dia-a-dia.

 

Apesar de não assumir o protagonismo da obra, o personagem de Rivelino (em seu nome real), funciona como nossa porta de entrada para aquele universo, que se dispõe a nos apresentar o funcionamento do retiro, suas regras, os veteranos e aos poucos inteirar o espectador das intrigas e fofocas que ali circulam semanalmente entre os frequentadores.

 

Da mesma forma que se interessa pelos clientes assíduos do espaço, a direção de Gil Baroni concede ainda mais lugar em sua narrativa para o outro lado da realidade, quando direciona a câmera para aqueles que trabalham no retiro – leia-se, Leila (muito bem vivido por Jorge Neto), e Dália (ótima na pele de Laura Haddad, que também assina a produção).

 

O trânsito por aquela antiga residência, a partir dos dois lados da moeda, torna a separação entre fantasia e realidade algo extremamente delimitado, na figura das pessoas que ali se fazem presentes, tal como Robert Altman faz na grande mansão de Gosford Park, uma visível inspiração. No entanto, em Casa Izabel, não apenas as vidas pessoais dos presentes acabam se misturando, como também a vida exterior, refletida nos anos de chumbo da ditadura, que também começa a invadir o recinto.

 

O que parece, a princípio, um lugar de liberdade, não demora muito para mostrar a verdadeira face: os homens continuam em posição de domínio, e suas fantasias femininas são mero escapismo para continuarem agindo como “superiores”, com suas características machistas, de forma que, através delas, até zombam das figuras que representam quando fantasiam.

 

A escolha por uma razão de aspecto reduzida, como se filmado com uma câmera Super 8, por parte da fotografia de Renato Ogata, vai além de uma escolha estética para apenas situar o período, mas leva um sentimento de clausura, na medida em que todos, por diferentes motivos, se sentem assim diante da infelicidade das próprias vidas. Porém, o espaço aberto das áreas comuns, ou os quartos largos, fazem da experiência para os hospedes um tanto mais confortável e libertadora, permitindo um respiro que a cozinha estreita e claustrofóbica, bem como as demais áreas de serviço, fazem questão de prender e sufocar ainda mais a única figura feminina do recinto, bem como seu sobrinho, ambos quase aprisionados por aquele que fundou o retiro.

 

A maior fragilidade de Casa Izabel, no entanto, é a maneira como se perde ao transbordar o mundo exterior adentro daquela realidade fabricada e artificial que acompanhamos. Fica claro desde cedo a presença de um universo externo aos poucos se infiltrando, e a revelação de uma conspiração cuja máscara cai através de um acidente fatal, que acompanha uma ótima simbologia com o sangue se fundindo ao leite derramado. Ainda assim, há de sentir que ambos os assuntos não parecem tão bem articulados, sobretudo quando algo soa inacabado na subida dos créditos finais. Talvez seja a ideia de Baroni, em uma perspectiva pessimista de que a perseguição nunca teria fim, sobretudo naquele tempo, mas ainda assim tais pontas não só parecem soltas como também não se adequam tão bem ao desfecho proposto, rápido demais, diante de uma obra tão eloquente por uma mise-en-scène provocativa, ainda mais com o ressurgimento da figura de Izabel, no último ato, assustadoramente interpretado por Luis Melo.

 

Assim, o ambiente interno é muito mais interessante do que o cerco que se fecha no entorno daquela realidade. As intrigas, atividades e os relacionamentos daquele retiro dizem muito mais do que a caça que se articula pelo mundo real, ainda mais quando podemos acompanhar tudo diante de um novato, encantado pela imponente imagem da abelha rainha, Izabel, embebido de uma inocência que o faz cego das próprias atitudes, enquanto quem trabalha não participa da fantasia, mas a assiste com olhares críticos e cansados de tanta mentira, em um encerramento intenso que casa muito bem com a canção final, Não Obedeço, ainda que deixe um estranho sentimento de vazio nos últimos minutos.

 

Avaliação: 3.5/5

 

Casa Izabel (Idem, 2024)

Direção: Gil Baroni

Roteiro: Luiz Bertazzo

Gênero: Drama, Thriller, Terror

Origem: Brasil

Duração: 84 minutos (1h24)

Disponível: Cinemas (via Olhar Filmes e Moro Filmes)

 

Sinopse: Em uma isolada casa grande fundada por uma elite escravocrata, instala-se um retiro de crossdressers. Nela homens vestem-se como mulheres em uma realidade glamorosa e delirante, distante dos anos de chumbo da ditadura militar no Brasil dos anos 70. Mas uma hora o mundo real começa a se chocar com as fantasias. (Fonte: Olhar - Adaptado)

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