“One Love” fornece um retrato superficial de Bob Marley, muito apegado a fatos, e ainda por cima, contraditório.
Na atual onda de cinebiografias musicais hollywoodianas, retratando grandes personalidades do século XX, “Bob Marley: One Love” é mais um no rol dos filmes produzidos com interesse e auxílio da família do biografado (ao lado de “Bohemian Rhapsody”, “I Wanna Dance With Somebody”, e a ainda inédita sobre a vida de Michael Jackson).
Por um lado, existe uma vontade inerente de ressaltar os talentos musicais e importância da pessoa para a cultura mundial, destacando seus processos criativos e as histórias por detrás das principais canções. No entanto, por outro lado, existe um enorme impasse na abordagem de suas vidas pessoais, na medida em que, muitas vezes, as vulnerabilidades e defeitos podem colidir diretamente com a imagem monumental pretendida.
Esse é um dos maiores dilemas de “One Love”: não saber exatamente como representar a complexa persona de Bob Marley em suas várias faces – como musico, na vida pessoal, seu passado e atuação política. Ao invés de um texto que integre todas as suas características em uma narrativa sólida, tem-se um filme que aborda cada ponto separadamente, quase como em segmentos, que apesar de intercalados, nem a montagem de Pamela Martin consegue esconder a separação temática.
Nisso, o grande problema é a ausência do estabelecimento de informações básicas que não são de conhecimento geral do espectador, como a cultura Rastafari e o caos político vivido na Jamaica dos anos 70, que enfrentava uma onda de violência e a polarização política.
Quanto toca nesses assuntos, a direção de Reinaldo Marcus Green gira em círculos ao abordar a importância de Jah para Marley, e sua espiritualidade é demonstrada, para além da constante exposição do roteiro, sempre voltada aos mesmos diálogos, em uma cena que aos poucos faz o protagonista repensar em seu pai (ou melhor, seu Criador), cuja intenção é, senão outra, reforçar visualmente, com certa “pieguice”, seu apego religioso.
Com relação à Jamaica, por muito tempo ficamos confusos sobre a complexidade política local, na medida em que há dificuldade em estabelecer que há uma rivalidade dupla, entre partidos políticos e organizações criminosas – e isso é tratado num texto nos primeiros minutos do filme. O pacifismo defendido por Marley e sua não interferência em questões políticas, sustentada em todo o primeiro ato, é apenas um trampolim para justificar sua ida à Europa, e praticamente esquecido até os momentos finais, salvo pelo teor das músicas, usadas em demasia como fundo para diversas cenas, mas pouco aproveitadas dentro da narrativa em si – e menos ainda discutidas.
Esse mesmo contexto histórico é também usado como motivação para o retorno de Marley à Jamaica, no terceiro ato, sob o pretexto da paz e unificação política e ideológica. No entanto, apesar de mencionado, tal ponto é sequer justificado, a partir da sustentação de que a persona retratada era averso à política – uma desculpa que, a essa altura, “não cola”, ainda mais por algumas fotos de arquivo exibidas antes dos créditos finais rolarem, que o mostra reunido com políticos em uma tentativa de “paz”.
Já no aspecto pessoal, o máximo que acompanhamos de Bob Marley são suas origens, fragmentadas sem muito critério ao longo do filme, e que a ele pouco acrescentam, senão por algumas exposições verbais sobre algum fato pretérito marcante e o preconceito racial por ele sofrido. No mais, sua relação com a esposa é trabalhada numa dinâmica de necessidade, infelicidade, depressão e composição, que esquenta ao longo do tempo e culmina naquela típica briga transitória para o ato final, motivando uma mudança no comportamento do protagonista. Curiosa, inclusive, é a menção de dois filhos, mas apenas destaque para Ziggy.
Por fim, então, o que fica de melhor, e mais relevante na obra, é a abordagem do processo criativo de Marley, em como compunha as canções, a partir de sua personalidade espontânea, a mente acelerada, e a relação de amizade, respeito e união que mantinha com a banda que o acompanhava, desde o início da carreira, mesmo que a isso não se dê muito destaque.
Para além da relevância musical, o que também carrega a melhor parte do longa é a versátil caracterização, e sobretudo a composição de Kingsley Ben-Adir na pele de Bob Marley, que reproduz seus trejeitos, modo de falar e sotaque com naturalidade, assim como seu olhar colabora com os sentimentos vividos pelo personagem.
Desta forma, o arco de Marley em “Bob Marley – One Love” revela pouco uma evolução e transformação da personalidade do protagonista, que se mantém praticamente a mesma do início ao fim, mostrando-se uma biografia muito mais interessada em fatos superficiais do que em explorar sentimentos ou mudanças dentro do recorte temporal adotado. Salvo pela grande atuação de Ben-Adir, e pela abordagem do processo criativo de Marley, tem-se um longa “chapa-branca”, tendencioso em relação aos próprios fatos (afinal, foi produzido pela família do músico), e serve mais como uma rasa apresentação do cantor a quem pouco com ele tem familiaridade do que como uma biografia que deseja aprofundar-se em sua figura, se encerrando antes de uma grande apresentação musical, que falta para um desfecho interessante.
Avaliação: 2/5
Bob Marley: One Love (Idem, 2024)
Direção: Reinaldo Marcus Green
Roteiro: Terence Winter, Frank E. Flowers, Zach Baylin e Reinaldo Marcus Green
Gênero: Drama, Biografia
Origem: EUA
Duração: 104 minutos (1h44)
Disponível: Cinemas (via Paramount Pictures)
Sinopse: O filme celebra a vida e a música de Bob Marley, um ícone que inspirou gerações através da sua mensagem de amor e união. Pela primeira vez nos cinemas, o público vai descobrir a poderosa história de superação de adversidades e a jornada por trás da sua música revolucionária.
(Fonte: Google)
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