top of page
Foto do escritorHenrique Debski

CRÍTICA | As Bestas, de Rodrigo Sorogoyen (Idem, 2023)

Em uma briga de vizinhos, as máscaras do preconceito se fundem e revelam a inveja, numa narrativa visceral de Rodrigo Sorogoyen.



A abertura de “As Bestas” não poupa o espectador do sofrimento, em uma poderosa cena de três homens se agarrando a um cavalo para marca-lo, que, de acordo com a citação inicial, é o custo de sua liberdade. A imagem, dolorosa ao cavalo, é reforçada com a fotografia aproximada e a câmera lenta, que destaca a dor de todos os envolvidos, pois, apesar do cavalo figurar como a vítima, a narrativa também nos faz pensar na situação do homem, num outro contexto.

 

Tal reflexão é proporcionada através da desconfortável situação vivida por Antoine (Denis Ménochet) e sua esposa Olga (Marina Foïs), um casal de franceses aposentados, e agora fazendeiros residentes no interior da Espanha, constantes vítimas de preconceito na comunidade em que vivem, especialmente por seus vizinhos próximos, os irmãos Xan (Luis Zahera) e Lorenzo (Diego Anido).

 

Toda a verdade, no entanto, está encoberta por máscaras, que acabam, aos poucos, se fundindo em diversas camadas. Na superfície está a xenofobia, mas o problema é bem mais profundo, e reside na inveja, ocasionada pelas diferentes origens e oportunidades de vida existentes para um e inexistentes para o outro, tudo ocasionado por um debate sobre a colocação de energia eólica na região, que poderia render certo complemento financeiro aos moradores do vilarejo.

 

O mais intrigante não é só a forma como o roteiro de Isabel Peña e Rodrigo Sorogoyen constrói os personagens e seu objeto de debate, mas também a maneira como a argumentação de ambos os lados possui legitimidade, pensando no malefício ecológico de um, e na oportunidade de melhorar a vida do outro (financeiramente falando).

 

Mas é o orgulho, de todos os lados, que coloca tudo a perder. A conversa poderia ser difícil, ainda mais com a brutalidade dos irmãos, mas a eventual soberba de Antoine, especialmente ao confrontar as provocações, levam os conflitos ao limite.

 

Nesse limite, a direção de Sorogoyen trabalha com ainda mais força. Cada emboscada, ameaça velada e provocação à Antoine reflete em nós, espectadores. Apesar de não lidar com os problemas em questão da melhor maneira, é impossível não o enxergar como a vítima, especialmente por ser uma espécie de “forasteiro”, um dos poucos que não nasceram e cresceram na região, vista por muitos dos locais como uma prisão. É quando conhecemos os dois lados da moeda. Nada justifica a agressividade dos irmãos, mas suas razões e interesses são justificados pelo contexto de vida que levam.

 

O que inicialmente é trabalhado numa atmosfera de desconfiança por ambas as partes, aos poucos evolui para o medo – cuja evolução se faz muito bem pela direção e se fortalece com as atuações de Ménochet e Zahera, especialmente em seus longos diálogos, sem cortes e cuja tensão aumenta enquanto as diferenças se acentuam.

 

Após a grande virada da narrativa – em sua cena mais forte, que justifica o título e estabelece um paralelo com seus primeiros minutos – sobra o ressentimento, agora mesclado à desconfiança e ao medo, todos juntos. Quando termina, um ar de alívio toma não só à nós, o público, mas também a personagem de Marina Foïs. No entanto, ainda fica um vazio, tanto nela quanto em nós, e o filme se encerra, num doloroso silêncio reflexivo.


Avaliação: 4.5/5


As Bestas (Idem, 2023)

Direção: Rodrigo Sorogoyen

Roteiro: Isabel Peña e Rodrigo Sorogoyen

Gênero: Thriller, Drama

Origem: Espanha, França

Duração: 137 minutos (2h17)

Disponível: Cinemas (via Pandora Filmes)


Sinopse: Antoine e Olga são um casal francês que se estabeleceu, há algum tempo, numa pequena aldeia, no interior da Galícia (Espanha). Lá eles levam uma vida pacífica, embora coexistir com a população local não seja tão idílico quanto eles gostariam. Um conflito com seus vizinhos, os irmãos Anta, irrompe e a tensão cresce por toda a aldeia até que chega a um ponto sem retorno. (Fonte: Pandora Filmes - Adaptado)

6 visualizações0 comentário

Comments


bottom of page