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Foto do escritorHenrique Debski

CRÍTICA | Armadilha, de M. Night Shyamalan (Trap, 2024)

A nova Armadilha de M. Night Shyamalan prende o espectador na mente de um assassino em série, em um thriller tenso que reforça a vitalidade do diretor.



Durante toda a divulgação de Armadilha, o diretor M. Night Shyamalan dispôs-se a criticar a influência da tecnologia na vida das pessoas atualmente, no que se refere à indústria cinematográfica, com seus já conhecidos fundos verdes, e inclusive o próprio público, viciado em telas e incapaz de abandonar os celulares até mesmo dentro da própria sala de cinema, dada uma constante necessidade de manter-se conectado às redes diante da exibição de um filme. 

 

Por incrível que pareça, na contramão das palavras do cineasta, a enfadonha (em questões de qualidade e manutenção) sala de cinema na qual assisti ao filme estava preenchida por um público fiel à arte cinematográfica, entretidos, compenetrados e envolvidos com aquilo que passava na tela, a razão para estarem lá. Talvez fãs de Shyamalan, o mérito é do próprio longa, que apesar de derrapadas aqui e acolá, consegue prender a atenção através de um incômodo e de uma imprevisibilidade não comuns a tantos realizadores.

 

Muito disso vem da decupagem característica do diretor, capaz de transformar momentos ordinários em grandes pesadelos para os personagens na medida em que estabelece seus receios e, como no caso do presente, faz um grande estádio parecer um ambiente claustrofóbico num piscar de olhos.

 

É a partir da colocação de policiais em pontos estratégicos, de todos os lados, em busca de um assassino em série de face desconhecida, mas feições mais ou menos certas, que a Armadilha fica clara ao personagem de Josh Hartnett, que esconde um terrível segredo por baixo do rosto de bombeiro e pai dedicado, em uma performance muito versátil do ator. Quando, logo nos primeiros quinze minutos de filme, percebe a grande armação, o protagonista precisa encontrar uma forma de sair sem ser notado, como num jogo de videogame, buscando, através do cenário ao seu entorno, interações e oportunidades para forçar soluções de última hora (algo como Hitman, até), que se tornam mais interessantes pela insistência no uso de ambientes reais e poucos complementos gráficos.

 

Fazendo a premissa soar como um grande clichê, Armadilha é na verdade uma sátira aos clássicos assassinos hollywoodianos de tantas décadas, que usa, em sua narrativa, os algoritmos atuais em prol de sua brincadeira de gato e rato, enquanto, ao mesmo tempo que ironiza a atual juventude, presa aos celulares, redes sociais e dancinhas, por outro lado encontra seu valor na medida em que as aproveita nos momentos chaves de sua obra, como parte da transformação da influência do ser humano para com o mundo.

 

O pé inteiro na comédia faz parte do plano irônico do diretor, que se antes já trabalhou o humor pontualmente em alguns longas, dessa vez o abraçou de vez. Mas isso não faz com que a Armadilha se torne menos fatal ou impactante. Pelo contrário, é um recurso muito bem utilizado para trabalhar as bruscas mudanças da narrativa, em um teor até absurdo, à medida em que o cerco fecha ao protagonista, cujo desespero e descontrole da situação faz com que tome medidas imprevisíveis.

 

Toda essa fuga e jogo de “pique-esconde” acontece em meio a um show de música de uma cantora pop, espécie de Taylor Swift daquele universo (certamente a referência do autor), em um palco repleto de performances e uma super produção em seu entorno, cuja artista é vivida pela filha do diretor, Seleka Shyamalan, em uma caricatura bastante divertida, tanto quanto boa cantora.

 

Acontece que, especialmente no último ato, o longa começa a derrapar quando deixa de lado parte da ousadia, e se arrasta em um desfecho um pouco longo demais, que se leva a sério quando não precisava. Nada que faça mal à obra, mas que parece destoar da proposta inicial e que leva em boa parte do tempo, quem sabe talvez na tentativa de alavancar uma sequência ou nova trilogia no futuro, como já feito anteriormente.

 

Assim, ao brincar com as tendências e problemas da atualidade, Shyamalan busca se reinventar, e transforma Armadilha em um filme fruto de seu tempo. Mas, ao mesmo tempo, de maneira alguma abandona seus traços característicos, sobretudo os excelentes enquadramentos e semiótica quase exemplar na construção do suspense e de seu protagonista, e carrega junto dessa tentativa de mudança toda uma vasta carreira, de muita experiência. E se fez esse filme para tentar ajudar a carreira de sua filha a subir, a presença dela foi apenas a cereja do bolo, quando a obra, por si só, fala muito da vitalidade do cinema do próprio diretor – algo já que Deadpool & Wolverine já não conseguiu fazer, deixando as segundas intenções mais notáveis do que a própria narrativa.

 

Avaliação: 4/5

 

Armadilha (Trap, 2024)

Direção: M. Night Shyamalan

Roteiro: M. Night Shyamalan

Gênero: Thriller, Comédia

Origem: EUA, Reino Unido, Iêmen

Duração: 105 minutos (1h45)

Disponível: Cinemas (via Warner Bros.)

 

Sinopse: Cooper e a filha adolescente estão em um show de música pop, até que o pai percebe a presença de muitos policiais no local e descobre que eles estão no centro de uma armadilha montada para capturar um assassino em série.

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