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Foto do escritorHenrique Debski

CRÍTICA | A Substância, de Coralie Fargeat (The Substance, 2024)

Na constante busca pela beleza e jovialidade no mundo da arte, A Substância explora o desgaste da competição com um terror corporal repugnante e provocativo.



Quem não gostaria de conhecer sua “melhor versão”? Uma potencialização do próprio corpo, da própria vitalidade e aparência, mas agora, quem sabe, com a maturidade dos mais de sessenta anos vividos, carregados nas costas entre muitos erros e acertos? Num mundo ideal, isso seria perfeito. Uma oportunidade de ganhar segundas chances sem mudar o passado, mas aperfeiçoando o futuro através das próprias escolhas, mais sabiamente alinhadas aos próprios objetivos do presente.

 

Nesse contexto, se há algo certo sobre A Substância, de que posso falar com todas as letras, é que definitivamente não sou o público alvo que, de primeira, entende o sentimento da protagonista idealizada por Coralie Fargeat. As razões para tanto são mais do que óbvias, questões biológicas e sociais que jamais serão capazes de me colocar em seu lugar. No entanto, esse é justamente o “pulo do gato” dado pela cineasta, enquanto constrói toda sua obra de forma a abarcar seu espectador, seja ele quem for, e imergi-lo dentro daquele universo.

 

Para tanto, a ambientação – e o mundo em que se passa -, muito própria em seu estilo característico, nos oferece uma possibilidade de se desligar do mundo real, e adentrarmos naquela realidade que convenientemente se desenrola numa mescla de diferentes décadas, que dialogam, dentro da narrativa, com seus respectivos momentos e situações. Por exemplo, apesar dos dias atuais, toda a dinâmica televisiva é tipicamente oitentista/noventista, em especial na hiper sexualização dos corpos femininos, com a predominância da televisão na casa do público norte-americano. Apesar dos celulares, rejeitam-se os streamings e as redes sociais, em prol de um contato puramente físico e pessoal.

 

Todos esses aspectos ambientais são estabelecidos com muita calma, enquanto acompanhamos a rotina e o fundo do poço em que acaba de entrar a famosa atriz Elisabeth Sparkle, vivida por Demi Moore, quando rejeitada do programa que apresenta em razão de sua idade e aparência física, já demonstrando alguns sinais da ação do tempo.

 

Nessa constante necessidade de manter a própria beleza intacta e jovial é que a personagem se depara com a solução milagrosa d’Substância, que permite uma segunda versão de si, a quem chama de Sue (vivida por Margaret Qualley), diferente, fisicamente atraente e muito mais jovem, com quem deve alternar de vida semanalmente. É a partir dela que seus (novos) sonhos se tornam realidade, e também sua completa perdição, enquanto o vício no improvável (e talvez impossível) traz consequências irreversíveis.

 

A dualidade que se desenvolve a partir dessas duas personagens é, na verdade, um grande reflexo de uma mente dividida, na qual, ao invés de existir uma cooperação, o que se cria é na verdade uma competição, tal como no mundo real, enquanto as atrizes e modelos mais jovens pouco a pouco tomam o espaço das “mais velhas”, em um constante ciclo de competição, exclusão e renovação.

 

Entretanto, apesar de uma luta interna, seus reflexos são vistos no exterior, através da abordagem da cineasta dentro do “body horror” (ou “terror corporal”), o que permeia desde o processo de injeção da substância até a violência que seus efeitos geram.

 

A medida em que avança, o que num primeiro momento se parece óbvio aos poucos começa a tomar contornos imprevisíveis, cada vez mais grotescos e apelando para a repugnância do espectador frente às monstruosidades em tela. É o que mais encanta em toda a direção de Coralie Fargeat, o como esses sentimentos vão muito além das figuras horrendas, mas cujo terror está presente desde os minutos iniciais, nas angulares abertas da fotografia de Benjamin Kracun, na trilha de música eletrônica cada vez mais intensa, e até na montagem assinada pela própria diretora, que, no decorrer dos quase 140 minutos de filme, que passam voando, vai aumentando de velocidade, até desembocar em um terceiro ato alucinante, prova de que a cineasta conhece suas referências, que vão de David Cronenberg à Brian De Palma.

 

É como se estivéssemos junto à Elisabeth em uma grande prisão, dentro de sua própria vida e mente, e em um corpo que se sente rejeitado, obcecado pelo rejuvenescimento e constantemente preocupado em ser substituído por outro mais “novo”, o que deixa de acontecer apenas do lado de fora, no cenário exterior, para internalizar esse incômodo com a ficção científica e o horror.

 

Inclusive, a perspicácia de Fargeat está tão arraigada no projeto que a escolha do elenco cai como uma verdadeira luva às personagens principais. A talentosa Demi Moore usa A Substância para mostrar à indústria que não está “obsoleta” (como se ela fosse algo, e não alguém), e ainda tem muito a construir com personagens complexas e protagonistas, para além de seus trabalhos mais recentes, sem muito destaque e sempre como coadjuvante. Enquanto isso, Margaret Qualley reforça o que se tem provado, uma atriz extremamente talentosa, e com cada vez mais espaço em grandes produções.

 

Fato é que existe muita competição, mas pode haver espaço para todos – basta que saiba aproveitar o que cada um possui de melhor. A Substância é muito sobre isso, a cobrança excessiva do mundo das artes pela beleza e jovialidade, que nem sempre valoriza talentos, mas atributos físicos, o que torna a todos – e especialmente as mulheres, que sofrem mais com esses preconceitos e cobranças físicas – substituíveis. No mais, é muito bom assistir a um filme de uma diretora como Fargeat, com coragem, orçamento e vigor para algo tão poderoso e controverso. O melhor terror da década, até o presente momento.

 

Avaliação: 5/5

 

A Substância (The Substance, 2024)

Direção: Coralie Fargeat

Roteiro: Coralie Fargeat

Gênero: Terror, Thriller

Origem: Reino Unido, França

Duração: 141 minutos (2h21)

Disponível: Cinemas

 

Sinopse: Elisabeth Sparkle, uma atriz renomada por um programa de aeróbica, enfrenta um golpe devastador quando seu chefe a demite, e pretende substituí-la por uma pessoa mais jovem. Em meio ao seu desespero, um misterioso laboratório lhe oferece uma substância que promete transformá-la em uma versão aprimorada.

(Fonte: Google - Adaptado)

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