top of page
Foto do escritorHenrique Debski

CRÍTICA | A Filha do Pescador, de Edgar De Luque Jácome (The Fisherman’s Daughter, 2024)

A Filha do Pescador coloca pai e filha em uma difícil jornada de reconciliação.



Se existe algo que que sempre me encanta quando reflito acerca da arte, sobretudo a cinematográfica, é seu infinito potencial de nos levar para realidades distantes das que vivemos, nos possibilitando, mesmo sem precisar sair de nossa cidade, conhecer outros lugares, visões de mundo e estilos de vida.

 

Nesse plano, é com uma proposta bastante intimista que A Filha do Pescador leva o espectador a uma ilha isolada num lugar incerto do caribe colombiano. Sem outros residentes que não Samuel, que leva a vida da pesca submarina em mergulho livre, sua pacata e constante solidão amargurada perde lugar com a chegada de seu filho, Samuelito, agora uma mulher trans chamada Priscilla, em busca de refúgio, após anos sem se falarem.

 

Entre este e tantos outros longas com premissas semelhantes, que se estruturam de maneiras parecidas, à base dos mesmos denominadores, como a solidão, o rancor e a necessidade de conciliação, o roteirista e diretor Edgar Alberto Deluque Jacome utiliza como seu diferencial o descompasso natural entre pai e filha, ancorado, ao final de contas, em uma visão conservadora e preconceituosa do protagonista, que aos poucos se revela cada vez mais determinante para a criação dos atritos.

 

Sempre sério e amargurado, Roamir Pineda dá vida a Samuel com seus olhos raivosos e uma constante feição de decepção no rosto, que esconde uma grande magoa pessoal por trás de seus trejeitos sisudos, como de uma pessoa frágil usando uma máscara para disfarçar a realidade. A medida em que Priscilla, ótima na pele da sensível Nathalia Rincón, aos poucos desconstrói essa fortaleza interior do pai, o preconceito existente em primeiro plano se revela parte de culpas pessoais que carrega, algo muito mais direcionado a seu contexto familiar do que efetivamente de tolerância ou “aceitação” a felicidade e liberdade do outro.

 

Essa necessidade de conciliação forçada entre ambos, que funciona como uma via de mão dupla para a sobrevivência, aproveita muito bem de seu cenário deserto, onde Jacome pode explorar a relação entre eles sem a interferência do meio humano ao redor, para além de alguns outros pescadores que eventualmente param na ilha – incluindo o irmão de Samuel, que atua como mediador em alguns dos conflitos.

 

É através desses pescadores, inclusive, que A Filha do Pescador estabelece seu elo de ligação com o mundo externo à ilha, e quando se revela dos momentos anteriores de Priscilla a seu retorno à casa do pai, o clímax do longa, também a hora da verdade. Talvez seja nesse quesito, ao extrapolar para o abuso sexual, minutos antes, que a obra se perde um pouco dentro de sua proposta, mas nada que a impeça de retornar aos eixos em seguida.

 

No entanto, apesar de eventualmente não conseguir exprimir em palavras alguns dos sentimentos dos personagens, Jacome pelo menos consegue compensar na representação imagética, através de belíssimos planos embaixo d’água, que nos dois momentos da narrativa enfatizam uma transformação de personalidade e o início do processo de cicatrização de algumas feridas, abertas por tempo demais.

 

Assim, A Filha do Pescador é emocionante à sua maneira, um filme produzido com muita competência a partir de recursos limitados, que, apesar de nem sempre conseguir fugir ao óbvio e aderir a previsibilidade, demonstra muita sinceridade em sua construção, para além do ótimo uso da imagem, com criatividade, para trabalhar sentimentos. É uma experiência curta e imersiva, na duração certa, que oferece um pingo de otimismo em meio a tempos um tanto sombrios.

 

Avaliação: 3/5

 

A Filha do Pescador (The Fisherman’s Daughter, 2024)

Direção: Edgar De Luque Jácome

Roteiro: Edgar De Luque Jácome

Gênero: Drama

Origem: Colômbia, Brasil, República Dominicana, Porto Rico

Duração: 80 minutos (1h20)

Disponível: Cinemas (via Bretz Filmes)

 

Sinopse: Samuel mora sozinho numa ilha isolada em algum lugar do Caribe colombiano. Exímio mergulhador, ele vive da quase extinta prática da pesca submarina em mergulho livre. Um dia, o filho Samuelito, que ele não via há 15 anos, bate à sua porta. Agora transexual, conhecida como Priscila e em fuga, ela é forçada a voltar ao lar para se esconder.

(Fonte: Primeiro Plano - Adaptado)

4 visualizações0 comentário

Comments


bottom of page