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Foto do escritorHenrique Debski

CRÍTICA | A Cor Púrpura, de Blitz Bazawule (The Color Purple, 2023)

Em nova adaptação, “A Cor Púrpura” canta tragédias, perdoa demais e minimiza abusos.



Entre os muitos longas da consagrada carreira de Steven Spielberg, “A Cor Púrpura” é o primeiro que explora de perto a dor do ser humano em uma poderosa abordagem dramática realista, voltada especificamente para o público adulto, em uma forte narrativa repleta de violência, abusos e a submissão da mulher na conservadora sociedade norte-americana do início do século XX, baseada na obra homônima escrita por Alice Walker.

 

Quase quarenta anos mais tarde, na recente onda de refilmagens de clássicos, “A Cor Púrpura” volta aos cinemas, agora nas mãos do cineasta ganês Blitz Bazawule. No entanto, apesar do mesmo título e narrativa, assim como “Meninas Malvadas”, este não é exatamente um remake, em razão da diferença no material base, que além de considerar o livro de Alice Walker, também se baseia no musical da Broadway escrito por Marsha Norman.

 

Entretanto, o que talvez funcione nos palcos não sirva tão bem, a depender da adaptação feita, quando levado para as telas de cinema, em virtude da ausência das limitações da sétima arte. O roteiro escrito por Marcus Gardley tem certa dificuldade em compreender essa ausência de barreiras, quando decide expor em diálogos muitos dos elementos que imageticamente poderiam ser mais eficazes.

 

Parte dessa incompreensão de seu texto se esclarece nos próprios momentos musicais, cuja maior parte dos números se dedica a reforçar informações já ditas anteriormente, ao invés de externalizá-las direto nas canções. Em poucos momentos suas letras revelam informações pela primeira vez, ou expõe os sentimentos dos personagens sem que antes já tenham sido demonstrados.

 

Dessa forma, em suas pouco mais de duas horas de duração, os musicais são pouco aproveitados, em desfavor de um roteiro apressado no desenrolar da narrativa e de seus personagens, que minimiza e alivia muitas das cenas de abuso e violência em prol de uma atmosfera mais leve, um tanto descabida neste contexto.

 

Por outro lado, a direção de Bazawule, ao contrário do texto, aproveita os momentos musicais numa estrutura até mesmo teatral, cuja fotografia do veterano Dan Laustsen trabalha em uma razão de aspecto ampla e posiciona a câmera de forma a nos envolver como num palco, e restringir tal sensação às músicas, sem que haja muito do vazamento deste ar para os demais momentos, sobretudo os dramáticos.

 

Mas eis onde a direção, por outro lado, tem dificuldade em encontrar a originalidade. Blitz Bazawule, ao reproduzir enquadramentos e construir situações visuais que se assemelham ao longa de Spielberg, abandona parte de sua criatividade ao aderir à elementos que funcionaram em um filme de proposta diversa. Aqui, a tensão não possui tanto espaço quando a atmosfera proposta busca por mais leveza e tons coloridos em toda a direção de arte – muito por conta do aspecto musical. Assim, a cena do copo da água ou da navalha, muito enfatizadas, são esvaziadas por sua falta de necessidade e das rimas propostas por Spielberg, aqui também ausentes, ainda mais quando se tem em vista o desfecho.

 

Apesar de ambos os longas compartilharem da mesma base, o desfecho desta nova versão caminha para um lado mais otimista, de maneira injustificável. Neste ponto, há de se ter em vista todos os abusos sofridos por décadas pela personagem principal, que tornam uma amizade com seu abusador uma espécie de “síndrome de Estocolmo”, quando, ao mesmo tempo, busca-se manter a ideia de que “os pecadores também têm alma”, expressão essa de uma canção do longa de Spielberg, não presente nesta versão.

 

Em meio às dificuldades apresentadas nessa refilmagem/readaptação de “A Cor Púrpura”, é uma pena pensar que um elenco formado por nomes tão poderosos, e com vozes tão belas, tenha sido reunido nesta obra que não os destaca tão bem. Talvez os únicos nomes que realmente consigam espaço sejam os de Colman Domingo, por seu carisma – aqui, maléfico - na pele de Albert Johnson; e Danielle Brooks, pela maior importância acertadamente dada pelo roteiro à sua personagem, Sofia. Ademais, é uma pena a problemática de certas passagens e decisões criativas, e o fato de que nada mais aqui ultrapassa a linha do comum, para ao menos tornar este filme no mínimo memorável.

 

Avaliação: 2.5/5


A Cor Púrpura (The Color Purple, 2023)

Direção: Blitz Bazawule

Roteiro: Marcus Gardley, adaptado de Alice Walker (livro) e Marsha Norman (musical)

Gênero: Drama, Musical

Origem: EUA

Duração: 141 minutos (2h21)

Disponível: Cinemas (via Warner Pictures)

 

Sinopse: Separada da irmã e filhos, Celie enfrenta muitas dificuldades na vida, incluindo um marido abusivo. Com o apoio da cantora Shug Avery e sua enteada, ela encontra uma força extraordinária nos laços inquebráveis de um novo tipo de sororidade. (Fonte: Google)

 

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