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Foto do escritorHenrique Debski

77º FESTIVAL DE LOCARNO | Red Path, de Lotfi Achour (Les Enfants Rouges, 2024)

Red Path explora dor e trauma de maneira intimista a partir do olhar de um adolescente com cicatrizes psicológicas eternas.



Existem histórias que apenas existem da forma como são pois aconteceram no plano da realidade. Os porquês também são reais, para tudo há motivação, mas em certos casos talvez nunca serão conhecidos. É assim com a história real em que se baseia Red Path, no qual dois jovens pastores, moradores de uma pequena vila, são atacados junto de seus animais nas montanhas no interior da Tunísia, por homens desconhecidos.

 

Apesar de seus desdobramentos, o longa de Lotfi Achour nunca realmente demonstra interesse pelas razões que motivaram o assassinato. Não que não seja algo importante, é, mas dentro da proposta estabelecida pelo diretor, buscar por motivos seria adentrar ao campo das teorias, conspirações e fantasiar por algo que não reflete, necessariamente, a realidade. Como uma ficção, até seria viável, mas atendo-se à inspiração dos fatos, seu olhar se direciona para o luto e sobretudo para o trauma e a ausência, quando coloca no centro o jovem sobrevivente, primo do falecido.

 

Em meio à comoção da pequena vila em que residiam, e mais ainda da família, a violência de Red Path vai bastante além da mera, e já impactante, cena inicial, que serve como um grande baque ao espectador, pego de surpresa, assim como os personagens em tela, em um grande gesto da direção para imergir o público, direto, dentro daquele universo.

 

Passado todo o choque causado pelos primeiros dez minutos, que vão do pacífico ao máximo da intensidade em questão de segundos, já passamos a acompanhar Achraf (uma grande atuação do jovem Ali Hleli) em sua longa jornada de retorno para casa, que leva consigo, para além do trauma, uma mensagem do ocorrido.

 

As dúvidas sobre o que fazer, o que contar e como são acompanhados de uma grande hesitação, e talvez o único momento em que o adolescente, com apenas treze anos, poderia usar para refletir sem precisar ser interrogado.

 

Em meio ao caos da notícia, e as discussões sobre como enterrar o corpo, pouco se repara ou se dá importância, naquele contexto, às feridas internalizadas por Achraf, por diversas vezes vitimizado novamente. É essa a visão buscada pelo diretor Lotfi Achour, enquanto direciona sua câmera, o tempo todo, ao protagonista lidando com as consequências do ocorrido, e sobretudo enxergando o fantasma do falecido primo.

 

Esse elemento fantástico é bastante revelador de seus sentimentos, sobretudo diante da necessidade de parecer forte e escondê-los de quem está ao seu redor, ainda mais quando não encontra com quem conversar, ou melhor, confiar o que sente de verdade, quando com os adultos. Não à toa a fotografia sempre o enquadra separado da maioria das pessoas em cena, nos cantos e quinas, e destaca seu posicionamento escondido, justamente como o ponto de interesse. O protagonista é sempre centralizado quando sozinho, ou com a namorada de seu primo, que com ele desenvolve um laço de amizade e proximidade genuíno, que dilui parte da melancolia dominante.

 

Esse ar melancólico, inclusive, tem uma função imersiva, na medida em que coloca o espectador em uma posição de impotência, tanto quanto os personagens são incapazes de se defenderem, e nem sequer podem contar com o apoio governamental, que, se existente, nada nem sequer teria acontecido. É dessa maneira que Red Path nos impacta, através de atos constantes de uma violência psicológica que se manifesta em um ciclo infindável, seja pela segunda vitimização do protagonista ou pela dor manifestada por todos, que só encerra, para nós, com o rolar dos créditos, que nos deixa só, com nosso próprios pensamentos e tristezas para com os envolvidos, e que continua, entretanto, para as pessoas reais retratadas pelo longa, que convivem com as cicatrizes do incidente até os dias de hoje, como parte de sua história.

 

Avaliação: 4/5

 

Red Path (Les Enfants Rouges, 2024)

Direção: Lotfi Achour

Roteiro: Natacha de Pontcharra, Doria Achour, Sylvain Cattenoy e Lotfi Achour

Gênero: Drama

Origem: Tunísia, França

Duração: 100 minutos (1h40)

77º Festival de Cinema de Locarno (Concorso Cineasti del Presente)

 

Sinopse: Dois jovens pastores são atacados em uma região montanhosa, no interior da Tunísia. Achraf, de 13 anos, uma das vítimas, é forçado a levar a cabeça de seu primo Nizar para a família como uma mensagem dos agressoares. Tentando não perder a sanidade, Achraf percebe que o fantasma de seu primo o acompanha. Com a impotência dos anciãos da aldeia e de sua família, Achraf se vê dividido entre manter o espírito de Nizar consigo e seu dever de levar os familiares para recuperar o corpo.

(Fonte: Festival de Locarno - Adaptado)

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