Em sua proposta de explorar a maldade humana, Foul Evil Deeds se estende muito mirando nas ações, e ignora por completo as consequências.
Em sua proposta, Foul Evil Deeds em muito referencia o cinema de Yorgos Lanthimos, enquanto busca explorar as relações humanas a partir de perspectivas que dialogam com o estranhamento do espectador, e mais ainda, miram no desconforto. No entanto, o filme do britânico Richard Hunter rompe com o formato do cineasta grego na medida em que trabalha menos com o “nonsense”, e nada com o surrealismo, senão pela perversidade, abordada com um viés mais natural e realista.
São seis histórias, não relacionadas entre si, e que se desenrolam simultaneamente ao longo de 110 minutos, abordando de diferentes maneiras a maldade humana, sob o manto do humor ácido. Entre elas, a título de exemplo, um caso de assédio sexual no ambiente de trabalho; uma brincadeira que vai além do resultado esperado; e até os prazeres ocultos de um enfadonho funcionário de empresa, que vive de trabalhar.
Porém, apesar do potencial existente, se o filme pretende provocar o espectador, dentre as várias maneiras que usa para tanto, uma delas é um verdadeiro tiro no pé: a monotonia. Não que a lentidão com a qual conduz as histórias contadas seja um atributo ruim, há uma escolha por parte do diretor para uma grande preparação dos personagens e o desenvolvimento das relações entre eles, algumas que até soam alegóricas, como o padre com medo de insetos, e sua esposa pedindo para ele passar veneno pela casa.
A razão de aspecto restrita também colabora, e muito, para essa provocação, enquanto a câmera pouco se movimenta, e capta os personagens em frente a elas em posições de desconforto para nós, espectadores, o que acaba por construir, eficientemente, uma atmosfera de tensão contundente, enquanto não enxergamos, ou demoramos a enxergar, algumas passagens.
Mas tudo isso é feito em um filme que, em quase duas horas, se preocupa muito com as ações e pouco com as consequências, a parte verdadeiramente interessante da exploração da maldade humana, cujo ato é apenas o início de uma possível tragédia.
Em meio ao típico humor ácido britânico, o longa acaba não conseguindo extrair grandes debates de suas narrativas individuais e episódicas na medida em que as próprias demoram muito para engrenar, com muito estabelecimento e chegando ao seu ponto chave apenas na reta final. Dessa forma, durante boa parte do tempo Foul Evil Deeds se sustenta com nossa curiosidade, que se esvai aos poucos na lentidão, e quando realmente começa a nos fisgar, acaba de repente.
Em uma analogia, é como se nós, adultos e vividos, não soubéssemos da natureza maléfica que o ser humano pode ter em seu dia a dia, sem medir as consequências de seus atos, essas sob as quais o filme se recusa em desdobrar-se a respeito. Em uma analogia, usando a própria obra como base, há uma cena em que um pai explica o conceito de assédio sexual para duas crianças pequenas – seria Hunter o pai, e nós as crianças.
Dessa forma, para essa espécie de “experimentação” com a linguagem e narrativa, o resultado é algo superficial, e até preguiçoso, tendo em vista que assistir ao jornal da noite faz o mesmo efeito, e talvez desenvolva a ideia de explorar a maldade humana de forma bem melhor, por sua própria natureza, do que a tentativa de Richard Hunter em Foul Evil Deeds, que até pode ter êxito em algumas passagens estranhas, mas não se sustenta pela decepção e vazio que deixa ao espectador em suas quase duas horas de duração.
Avaliação: 1.5/5
Foul Evil Deeds (Idem, 2024)
Direção: Richard Hunter
Roteiro: Richard Hunter
Gênero: Comédia, Thriller, Drama
Origem: Reino Unido
Duração: 108 minutos (1h48)
77º Festival de Cinema de Locarno (Concorso Cineasti del Presente)
Sinopse: Uma coletânea de histórias que mostra a ampla variedade de comportamentos malignos dos quais os seres humanos são capazes. Acompanhamos um homem lidando com sua nova vida limpando banheiros; um pai de família enfrentando um momento de fraqueza; um contador cedendo às suas necessidades e desejos mais íntimos; um grupo de amigos armando uma pegadinha; um padre e sua esposa se livrando de um acidente; e um advogado terminando seu casamento.
(Fonte: Festival de Locarno - Adaptado)
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