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Foto do escritorHenrique Debski

77º FESTIVAL DE LOCARNO | Bang Bang, de Vincent Grashaw (Idem, 2024)

Em Bang Bang, Vincent Grashaw explora uma jornada de autopiedade, com um protagonista que busca, mas sem esforço, por uma redenção.



A imagem decadente do protagonista Bernard 'Bang Bang' Rozyski, ótimo na pele de Tim Blake Nelson, é colocada diante dos olhos do espectador logo na primeira cena, algo que vai para muito além do desleixo de sua aparência física, e se manifesta nos trejeitos cambaleantes, saúde debilitada, abuso de bebidas alcoólicas e uma constante insistência da vida passada.

 

Talvez seria essa a melhor maneira de descrever o protagonista de Bang Bang, um boxeador aposentado, na casa dos sessenta anos, recluso, que vive seu presente carregando nas costas os infortúnios do passado, este que é exposto aos poucos, sem exposição e com naturalidade pela narrativa, gastando sua energia diária revivendo memórias, e arquitetando mentalmente uma vingança vazia incapaz de resolver seus problemas, fruto de estímulos momentâneos, impulsivos, que o impedem de seguir adiante.

 

Esse marasmo depressivo é interrompido, porém, com a chegada de seu neto, Justin, jovem, viciado em celular e um tanto perdido na vida, para passar algum tempo com ele na ausência da mãe, filha de Bernard, com quem não falava há muito tempo.

 

Apesar de soar como uma narrativa bastante comum, o que, de certo ponto de vista, não deixa de ser dentre o mar de estudos de personagens problemáticos encontrados no cinema norte-americano recente, em Bang Bang a redenção é uma casa que está muito distante de ser alcançada, em virtude de toda a rigidez do protagonista em tomar as escolhas certas.

 

Aos poucos, vamos percebendo que, no fundo, Bernard não está realmente interessado em mudar. Não apenas o roteiro escrito por Will Janowitz dita suas ações nesse sentido, mas a direção de Vincent Grashaw reforça sua autoconsciência nas escolhas tomadas, cuja câmera o filma a partir de uma perspectiva de muitas incertezas, tal como é seu futuro enquanto deixa a vida o levar por impulsos que não parece conseguir controlar.

 

O esporte, inclusive, encontra um espaço de generoso destaque na narrativa, sobretudo na relação entre o protagonista e seu neto, quem treina para lutar boxe como se nele enxergasse potencial. Mas no fundo, é bastante claro desde o princípio que, além da proximidade, o personagem faz isso na tentativa de reviver os melhores momentos de sua vida, em mais uma regressão ao passado como com quem dele nunca consegue se desvencilhar, estabelecendo uma dinâmica de não repetir os erros que cometeram com ele.

 

O mais divertido nisso tudo é que o longa transcende a previsibilidade, quando rompe com filmes semelhantes ao fazer com que Bernard sempre tome as escolhas erradas, diante das que se apresentam à sua frente. Em certo ponto, já na reta final, um dos conflitos se resolve como no final “errado”, ou absurdo, de um jogo de videogame, onde o jogador, diante da possibilidade de escolher o desfecho da história, parte para a violência e ações que na prática, não resolvem nada, senão servem apenas para desgastar fisicamente o personagem.

 

Por outro lado, é uma escolha que encontra sentido dentro da obra, diante da temática do boxe e dos personagens serem antigos adversários no esporte, com destinos opostos no quesito sucesso. As próprias cenas de luta são muito bem elaboradas por Grashaw, que neste filme, com o aspecto mundano e realista, mostra muito de sua versatilidade como realizador, diante da diferença de seu último longa, o ótimo terror What Josiah Saw.

 

No fim das contas, Bang Bang é um drama que se beneficia de um humor ácido para construir a jornada de um personagem errado, tanto nas crenças pessoais como nas filosofias de vida e escolhas que faz, enquanto prefere viver com pena de si ao invés de se levantar para tentar enfrentar seus próprios demônios, em uma das melhores atuações da carreira de Tim Blake Nelson.

 

Avaliação: 4/5

 

Bang Bang (Idem, 2024)

Direção: Vincent Grashaw

Roteiro: Will Janowitz

Gênero: Drama

Origem: EUA

Duração: 103 minutos (1h43)

77º Festival de Cinema de Locarno (exibido fora da Competição)

 

Sinopse: Bernard ‘Bang Bang’ Rozinsky é um excêntrico boxeador aposentado, cheio de mágoas, vivendo a partir de suas memórias, e obcecado por tentar consertar ou ao menos mudar seus pecados do passado, e vê uma oportunidade de voltar aos ringues treinando seu neto para lutar.

(Fonte: Festival de Locarno - Adaptado)

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