Hanami fica entre a realidade e a fantasia para explorar relações familiares, amadurecimento e a transformação das visões de mundo.
Um dos grandes incômodos que tenho com alguns filmes ultimamente é a maneira como, em uma obra audiovisual, os cineastas compreendem a imagem como algo secundário na construção da linguagem e preferem, a todo tempo, falar e escrever o que pode ser mostrado. Cada um faz seu filme como prefere, é verdade, mas para uma arte que nasceu essencialmente da imagem, sua colocação como algo secundário é subaproveitar a própria ideia – e talvez, a depender sempre do caso concreto, um reflexo da falta de criatividade do realizador.
É justamente uma das coisas de que mais gosto em Hanami, o como a direção de Denise Fernandes em momento algum desvaloriza a imagem. Pelo contrário, faz ótimo uso do áudio e do visual para se ilustrar ao espectador, a quem se direciona com a naturalidade do dia-a-dia de uma garota criada pela avó em uma ilha.
Acompanhamos seu crescimento, sua vida de criança à adolescente, e sua rotina mudando conforme se passam os anos, evoluindo das brincadeiras pela terra até o primeiro trabalho, ajudando seu tio a cuidar de uma padaria.
Tudo se dá através da imagem, sem qualquer indicativo da passagem do tempo a partir de textos ou algo assim. As vezes o tempo salta, é verdade, e ficamos perdidos por um ou dois minutos, nos colocando, talvez, como aquele parente distante que só aparece de tempos em tempos, e percebe as mudanças de maneiras mais bruscas.
Aliás, querendo ou não, é nessa posição que Fernandes nos coloca a partir de uma boa reviravolta em sua narrativa, capaz de mudar tanto o nosso olhar quanto o da protagonista ao mundo em que vive, e repensar em suas verdades e na forma como posiciona as relações familiares em sua própria consideração.
Essa jornada, eventualmente, pode parecer cansativa, pela monotonia de acompanhar a vida de pessoas comuns, em suas felicidades e desafios. Mas a simpatia com a qual a diretora nos conduz através desse mundo, com ótimos toques de ternura e sobretudo sensibilidade nos momentos de mais seriedade é que faz com que sua obra tenha o ar da diferença, rejeitando uma abordagem seca e fria, distante, como mera observadora, em prol de algo mais ativo, que se compadece e partilha dos sentimentos, sem exagerar para o emocional e forçar o espectador, e até mesmo brinca com elementos de fantasia, ainda que um tanto deslocados do restante.
Dessa forma, Hanami se esforça para envolver o espectador para além de meramente assistir ao cotidiano. É um filme que, mesmo dentro de suas tristezas, encontra espaço para o otimismo e trabalhar o amor familiar como algo que se manifesta de maneiras nem sempre esperadas ou óbvias. Ao mesmo tempo, trabalha, ainda que isoladamente, com um pouco de fantasia e revela o passado através de seus vestígios, com certo lirismo que se encaixa bem ao conjunto.
Avaliação: 3.5/5
Hanami (Idem, 2024)
Direção: Denise Fernandes
Roteiro: Denise Fernandes e Telmo Churro
Gênero: Drama
Origem: Cabo Verde, Portugal, Suiça
Duração: 96 minutos (1h36)
48º Mostra de São Paulo (Competição Novos Diretores)
Sinopse: Em uma distante ilha vulcânica de onde todos querem partir, Nana aprende a ficar. Sua mãe, Nia, que sofre de uma doença misteriosa, foi embora depois que a menina nasceu. Acometida por uma febre alta, Nana é enviada ao pé do vulcão para ser curada. Lá, encontra um mundo que mistura sonho e realidade, e aos poucos, com o passar do tempo, aprende a enxergar o mundo de diferentes maneiras.
(Fonte: Mostra de SP - Adaptado)
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