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Foto do escritorHenrique Debski

48º MOSTRA DE SP | Anora, de Sean Baker (Idem, 2024)

Sean Baker se diverte caminhando com Anora rumo ao imprevisível, em uma sátira que mescla o absurdo com um toque de realismo.



Algo que admiro muito no talento de Sean Baker para com seu cinema é a forma com a qual trabalha quaisquer tipos de situações a partir de uma naturalidade única, a qual nos introduz a universos distantes, mas nem tanto, dos que vivemos. É o que já fizeste antes em Tangerine, por exemplo, com seu microcosmo, e é o caso da maneira como nos situa inicialmente em Anora, que desde cedo nos familiariza com a protagonista.

 

A conhecendo mais de perto, com a rotina de uma dançarina e profissional do sexo em Nova York, a conexão com Anora é estabelecida rapidamente enquanto uma pessoa carismática vivendo sua vida na base do trabalho e em busca de algo para, quem sabe, poder chamar de seu. Seus objetivos nunca são especificamente traçados pela obra, mas também é algo que em momento algum precisa ser dito, pois pode ser sentido a partir das feições de Mikey Madison enquanto alguém que, incansavelmente, vive de trabalhar. E é aí que Ivan, filho de um grande oligarca russo, que mora nos EUA, chega para mudar sua vida e crescer seus olhos diante de uma enorme fortuna e a oportunidade de mudar seus rumos.

 

Não necessariamente, entretanto, essa relação se estabelece por meio do interesse, apenas. Em meio a toda a farra, jogatina, bebida e prazer, algo um pouco além, ao menos para a protagonista, se constrói entre os momentos de sobriedade do casal, que desemboca, em pouquíssimo tempo, num casamento de conveniências, literalmente. É justamente quando as coisas saem do controle, com a necessidade, por parte de Anora, de lutar por si.

 

Durante toda uma primeira parte, Baker é enfático na maneira como decupa suas cenas colocando a ênfase no prazer dos personagens em tela, diante de uma quantidade infinita de dinheiro à disposição, que os leva de um lado para o outro, “apaixonados” por seus próprios interesses, quase que desnorteadamente, sem exatamente algum lugar para ir e diante da ausência de quaisquer preocupações, que não seja se jogar para a vida.

 

Para tanto, a aproximação que o diretor busca chega ao ponto de uma quebra da intimidade dos personagens para conosco, os acompanhando até mesmo nos momentos mais privados do casal, em diversas oportunidades e locais diferentes, sedimentando o sexo como um dos pilares centrais daquela relação que evidentemente não será duradoura, mesmo com o casamento.

 

Não é nenhuma surpresa ser toda aquela vida almejada por Anora um grande castelo de cartas prestes a desmoronar. É lógica a fragilidade de tudo aquilo, especialmente para nós, espectadores, que nos encontramos do lado de fora. O motivo para tanto está estampado em Ivan e sua imaturidade como ser humano, fútil e viciado em prazer, fruto de uma vida sendo mimado e recebendo de mão beijada, acostumado a não fazer esforço e a descartabilidade do mundo ao seu redor.

 

É quando entra a segunda parte, com todos os problemas sendo arremessados no ventilador e espalhados aos sete ventos. Até então, mesmo sabendo da fragilidade, não conhecíamos exatamente do tamanho da reação que a relação poderia gerar. É aí que tudo vira de cabeça para baixo, e Baker subverte todas as suas escolhas estéticas anteriores em prol de uma situação complexa e até violenta em certo sentido sendo trabalhada à base da comédia, ácida e bastante crítica, a partir do momento em que todos os homens são satirizados a partir de seus comportamentos animalescos e submissos, quando as mulheres assumem as rédeas das decisões a serem tomadas, dando origem a uma espécie de duelo.

 

O charme de Baker está em nunca perder a mão no trato do humor, muito bem construído e articulado no entorno da protagonista e sua língua afiada, determinada naquilo que deseja e sem medo de enfrentar os capangas ou a própria família de Ivan – que inclusive é um dos muitos pontos altos do filme, especialmente quando o cineasta, na montagem, direciona o olhar às risadas e constrangimentos no ambiente. É isso que faz de Mikey Madison o grande destaque, e também parte da alma do filme, com suas expressões reativas e o carisma encantador da personagem.

 

Em meio à uma narrativa imprevisível, talvez o desfecho possa até soar óbvio, mas para além de um certo realismo, ainda que neste universo cômico, revela muito do que foi toda a jornada de sua protagonista. A inesperada catarse funciona muito bem para revelar o óbvio e certo desde o primeiro minuto, que já dava sinais do final desde as primeiras cenas e diálogos, revelando ser Anora, ao final das contas, um filme com uma cobertura doce e agradável, que mascara, profundamente, seu saboroso – e até provocativo - recheio amargo.

 

Avaliação: 5/5

 

Anora (Idem, 2024)

Direção: Sean Baker

Roteiro: Sean Baker

Gênero: Comédia, Drama, Romance

Origem: EUA

Duração: 139 minutos (2h19)

48º Mostra de São Paulo (exibido na coletiva de imprensa).

 

Sinopse: Anora, uma jovem profissional do sexo do Brooklyn, tem a grande chance de mudar de vida, tal qual numa história de Cinderela, ao conhecer e se casar impulsivamente com Ivan, filho de um oligarca russo. Mas assim que a notícia chega à Rússia, esse conto de fadas é ameaçado - os pais de Ivan partem para Nova York decididos a anular o casamento.

(Fonte: Mostra de SP/Universal Pictures - Adaptado)

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