O encantador Sol de Inverno, de Hiroshi Okuyama, imerge o espectador na jornada de amadurecimento de um jovem garoto, em meio a liberdade de fazer suas próprias escolhas.
Desde os primeiros planos de Sol de Inverno, conseguimos sentir algumas das influências do diretor Hiroshi Okuyama na construção estética de seu filme. É a razão de aspecto mais fechada, os enquadramentos simétricos e estáticos, uma presença muito forte das cores vivas. Ainda assim, mesmo que num primeiro momento possa lembrar do estilo de Wes Anderson, o diretor dá asas à criatividade, pois apesar do formalismo e da inspiração, seu mundo funciona dentro de uma lógica um pouco mais realista, e muito própria.
A jornada de amadurecimento de Takuya se dá em um Japão conservador de data incerta, provavelmente em meados dos anos 80, diante de uma realidade onde, no inverno, meninos jogam hockey no gelo, e meninas treinam patinação artística. Mas o que impede que um menino possa fazer patinação?
Num mundo onde tudo é pré-determinado, muito preto no branco (algo que se sustenta até os dias atuais), Sol de Inverno joga a cor como símbolo de transformação, enquanto existe, sim, uma chance de frustração da expectativa social e fazer o inverso do que se espera como “o normal” (e o que seria isso, na verdade?). É sobre o que deixa feliz, o que dá ânimo em aproveitar a vida.
A admiração de Takuya pela patinação, e pela figura de sua colega Sakura, não precisa ser descrita em palavras, quando a direção de Okuyama, habilmente, sabe explorá-la através da própria imagem, do olhar fascinado do personagem, que estabelece uma sincera conexão com o espectador, a partir da descoberta de alguns dos sentimentos mais íntimos – e talvez incompreendidos – do protagonista sobre si.
Em momento algum, na verdade, o diretor precisa explicar esses sentimentos através do texto falado. Está tudo presente no trabalho imagético, através dos olhares e feições de seus personagens, que conversam sobre suas convicções pessoais, mas tem seus sentimentos trabalhados através de suas próprias ações.
É dessa maneira, por exemplo, que conhecemos mais a fundo o treinador Arakawa, em quem acende uma chama de paixão pela profissão ao treinar Takuya, e compartilhar, junto dele, sua fascinação pelo esporte. Muito desse sentimento é bem trabalhado a partir da fotografia, que satura a iluminação durante as cenas de patinação, espetacularizadas, para desenvolver essa sensação de esperança naquela pequena cidade, de encontrar um propósito em sua própria vida como professor. Não à toa, quando o filme se debruça sobre sua vida pessoal e também pretérita, a ideia de que ele se enxerga em seu aluno fica ainda mais forte, e reforça suas motivações para com o protagonista.
Apesar de tudo, existe um choque criado pelo filme no terço final, para justificar o afastamento desse triângulo esportivo estabelecido, e também impulsionar o amadurecimento dos personagens – em especial do protagonista -, que acaba não ficando tão bem explorado. É o caminho do filme para um encerramento um tanto abrupto, e talvez até um pouco previsível demais dentro daquilo que se propôs anteriormente. Ainda tem muito da sensibilidade e ternura de Okuyama, que nunca abandona o projeto, mas dentro dessa mudança de rumo algo mais eloquente poderia ser desenvolvido para dialogar melhor com a inserção da temática da homofobia, que bem se justifica dentro do contexto e do tempo escolhido para a narrativa.
Ainda assim, acredito que dentro deste contexto, o filme termine com uma espécie de alerta, sobre a influência que os pais podem ter em relação aos filhos, e na maneira como o meio influencia nos comportamentos, pensamentos e até nas vontades individuais.
Enfim, o “coming of age” Sol de Inverno nos permite testemunhar apenas uma temporada na vida do jovem Takuya, em uma das muitas descobertas que se tem na vida, comuns ao período do amadurecimento. É sobre se conhecer, se compreender, e vemos esse sentimento crescendo no personagem, em cena e também fora dela, com o rolar dos créditos e o soar da canção final.
Avaliação: 4/5
Sol de Inverno (My Sunshine, 2024)
Direção: Hiroshi Okuyama
Roteiro: Hiroshi Okuyama
Gênero: Drama
Origem: Japão, França
Duração: 90 minutos (1h30)
48º Mostra de São Paulo (Competição Novos Diretores)
Sinopse: Em uma pequena ilha japonesa, a vida gira em torno das mudanças das estações. O inverno é época de hóquei no gelo na escola, mas Takuya não demonstra muita animação com isso. O verdadeiro interesse do garoto está em Sakura, uma estrela em ascensão da patinação artística de Tóquio, por quem ele desenvolve um fascínio genuíno. Arakawa, treinador e ex-campeão da modalidade, vê potencial em Takuya e decide orientá-lo para formar uma dupla com Sakura para uma competição que acontecerá em breve. (Fonte: Mostra de SP - Adaptado)
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