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Foto do escritorHenrique Debski

48ª MOSTRA DE SP | O Clube das Mulheres de Negócios, de Anna Muylaert (Idem, 2024)

Anna Muylaert se arrisca em O Clube das Mulheres de Negócios, com uma comédia provocativa que retrata algumas faces do Brasil.



Poucos minutos antes do início da sessão de O Clube das Mulheres de Negócios, a diretora e roteirista por trás do projeto, Anna Muylaert, deixou claro que este era seu filme mais “arriscado”. Diferente de seus longas anteriores, mais sensíveis, a intenção deste era de um teor provocativo, uma reimaginação dos anos e valores defendidos pelo governo Bolsonaro, com olhares mais ácidos e, nas palavras da própria cineasta, uma reação a musiquinha “imbrochável” e tantas outras do período.

 

De fato, aos olhos de uma sociedade ainda um tanto conservadora, O Clube das Mulheres de Negócios não perde tempo em colocar o dedo na ferida. Já na primeira cena, uma grande mesa é servida no mais caro e exclusivo clube de campo da capital paulista, mas com um pequeno detalhe: quem se senta à mesa e discute negócios são as mulheres; e quem as serve são os homens. Na continuidade desse longo plano, toda a segurança e os cargos de chefia dentro daquele ambiente são exercidos igualmente pelas mulheres, enquanto homens são responsáveis apenas por aquilo que fica ao fundo da cena.

 

O estranhamento inicial apenas é reforçado com a aparição dos personagens de Luis Miranda e Rafael Vitti, jornalistas a caminho do referido clube, palco dos acontecimentos do longa, para uma importante entrevista com suas poderosas associadas.

 

À medida em que conhecemos cada um dos personagens, e especialmente aquelas mulheres, percebemos serem, no fundo, todos alegóricos. Apesar de bem-sucedidas, são todas capas dos jornais das mais variadas formas, especialmente pelos esquemas que comandam ou comandaram em sua sede de poder e sucesso – quando não usam dele para abusar dos outros. Elas representam a política, a igreja, a justiça, o agronegócio e por aí vai, da mesma maneira que os jornalistas também representam a classe midiática, sobretudo dentro do arco que possuem dentro do longa, especialmente no aspecto da desconstrução (ou seria demolição?), ocorrida aos poucos, de tudo aquilo a que somos apresentados.

 

A melhor parte do humor está nos detalhes e nas referências tipicamente brasileiras, relacionadas à nossa história e à nossa política – especialmente com os escândalos. Muito dessa comédia se constrói pelo aspecto visual, desde a bandeira símbolo do clube até os figurinos extravagantes das integrantes, que pelo exagero revelam muito da identidade e da classe social satirizada por meio da personagem. Da mesma forma, os homens – e sobretudo os jornalistas – também são parte disso, nas maneiras como Muylaert eventualmente os hiper sexualiza, como uma reação contrária ao que comumente se faz com as personagens femininas (para isso, basta ver os garçons, ao fundo, com shorts curtos); ou faz o contrário, transformando-os em espelhos das próprias esposas, como pessoas sem voz ou autonomia.

 

À medida em que avança, e instaura o caos no ambiente, a diretora desenvolve uma espécie de sátira social que por vezes lembra bastante o estilo de Ruben Östlund, com uma boa pitada, é claro, de sua própria identidade, com toques brasileiros, especialmente durante os momentos de desespero, com divertidas onças de CGI (muito bem feitas, por sinal), e na violência, ainda que na maior parte do tempo sendo apenas sugerida.

 

No entanto, há uma decisão na reta final que parece jogar contrariamente ao próprio filme, com uma espécie de reviravolta que, no fundo, serve apenas para explicar a grande metáfora da obra, e acaba, talvez sem nem se dando conta, de mudar todo seu sentido. Pois a graça de O Clube das Mulheres de Negócios é justamente a exploração da fantasia, e dessa realidade alternativa, completamente pautada na que vivemos, por meio de um exagero nem tão inverossímil (talvez só muito mais escancarado). A partir do momento em que se rejeita isso na troca por algo realista e expositivo, parte do humor dessa grande – e necessária – piada se esvai. No entanto, não é nada que atrapalhe a mensagem passada, muito bem sedimentada nessa comédia realmente ácida e, como bem disse Muylaert, provocativa, que certamente gerará debates e discussões por parte do público, como pensada para ser. Que através disso possamos dar mais um passo em direção à igualdade de gênero.

 

Avaliação: 3.5/5

 

O Clube das Mulheres de Negócios (Idem, 2024)

Direção: Anna Muylaert

Roteiro: Anna Muylaert

Gênero: Comédia, Thriller

Origem: Brasil

Duração: 95 minutos (1h35)

48º Mostra de São Paulo (Mostra Brasil)

 

Sinopse: Durante um dia de folga do clube de campo, frequentado por poderosas mulheres de negócios, enquanto as sócias almoçam, três onças escapam do onçário onde vivem. A partir daí, começa um jogo de negação, mentiras e ataques que pode acabar mal. (Fonte: Mostra de SP - Adaptado)

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