Com um orçamento limitado, O Brutalista é grandioso no processo de desconstrução do estilo de vida americano.
Após assistir a O Brutalista, na excelente sala do CineSesc durante a 48ª Mostra de SP, o meu primeiro sentimento foi de uma emocionante viagem ao passado. De fato, não posso negar a legitimidade da palavra “monumental”, colocada no pôster e atribuída à vários veículos diferentes, pois de fato foi uma experiência monumental, um épico sobre o nascimento do “american way of life” durante algumas décadas do século XX.
Mas ao contrário de outras possíveis narrativas semelhantes, que tratam da ascensão desse estilo de vida norte-americano e usam dele como forma de propaganda ao país, o que Brady Corbet faz, do início ao fim, é construí-lo e depois, pouco a pouco, desconstruí-lo aos olhos de um imigrante húngaro, judeu, e sobrevivente do Holocausto, que percebe não ser aquela, exatamente, a terra das oportunidades de que tanto falam.
Os primeiros dez minutos vendem muito bem essa sensação da “terra onde tudo se pode” a partir da contraposição de uma Europa empobrecida e destruída pela guerra, representada por um barco escuro, apertado, com um plano extasiante da Estátua da Liberdade vista de baixo para cima, como um grande sonho se tornando realidade. É a simbologia da sobrevivência, e do recomeçar a vida em um lugar novo, diferente e próspero.
Os planos abertos e a imagem ampla de Corbet revelam a imensidão da nova terra na qual pisa o protagonista, László Tóth – vivido por Adrien Brody, mais uma vez excelente - com a promessa do auxílio de seu primo, que já mora há algum tempo e possui um negócio familiar nos EUA. É quando já se tem os primeiros indícios de que o país não se trata exatamente de uma terra de liberdade perfeita para todos, e há necessidade em se adequar de algumas maneiras para progredir mais rapidamente, sobretudo diante do oportunismo do próximo.
Mas ao longo de sua trajetória rumo ao crescimento profissional, e a oportunidade de projetar um grande centro comunitário, como o arquiteto que fora antes da guerra, László sente na pele uma hostilidade cultural, com a xenofobia e também preconceito em relação à religião, questão dominante no país.
O retrato dessa “américa” oferecido por Corbet e Mona Fastvold, a partir do roteiro, visa justamente um sentir ao invés de apenas ver. São nas entrelinhas que esse preconceito se manifesta, em pequenos diálogos corriqueiros que insinuam sobre religião e origem. Apesar do final da guerra e de ter sobrevivido ao Holocausto, Tóth, e também sua família, mais adiante, estava longe de evitar essa violência, agora apenas disfarçada.
Toda a primeira metade de O Brutalista trabalha muito bem desse oportunismo e essa violência cultural impregnada na rotina do norte-americano médio, de ódio ao diferente, tal como pensavam os Nazistas. É uma forma de visualizar essa constante provação, absorver as indiretas que fazem ao protagonista, e os diálogos sobre religião, o protestantismo e o acreditar em Jesus, sempre acompanhados com segundas intenções hostis.
Acontece que a segunda metade do longa, após o excelente intervalo de quinze minutos, busca dar um passo além no trato desta violência, a materializando no plano físico, e aí justamente quando começa a tropeçar nas próprias ambições. Entendo que havia uma proposta por parte de Corbet em demonstrar, imageticamente, a submissão a que se encontrava o protagonista diante de todos aqueles anos retratados – cuja passagem se dá através de criativas chamadas pelo rádio, noticiando alguns importantes eventos da época, que influenciam nas vidas dos personagens, como a criação do Estado de Israel -, mas o resultado atingido é algo discutível, talvez um pouco extremo demais e mais ainda pela forma como tudo se resolve, já na reta final – o que certamente gerará debates.
Por outro lado, todos esses anos de violência insinuada e concretizada acabaram deixando reflexos na construção do grande centro comunitário, o coração do longa, a “obra brutalista”. Quando caminham por ela, de maneira apreensiva, já no final da segunda metade, fica bastante clara a resposta de Tóth a tudo que sofreu ao longo da vida. São os corredores estreitos, o teto alto, o senso labiríntico, e a claustrofobia que dominam a cena, na escuridão e nas sombras estranhas. Mas nada poderia encerrar melhor que a virada do olhar para a cruz, ao teto, invertida, de maneira catártica ao representar exatamente os comportamentos pouco cristãos de quem encomendou sua construção.
É uma pena que, no epílogo, Corbet esvazie parte de suas metáforas visuais sentindo a necessidade de explica-las a partir de um texto falado, em uma cena criada apenas para explicar o filme, e talvez o tornar mais fácil de digerir para quem não enxergou algumas referências – uma escolha questionável, de falar ao invés de mostrar um pouco mais.
Apesar da dificuldade em trabalhar alguns conflitos em sua segunda metade, e desse epílogo completamente dispensável, O Brutalista ainda assim consegue manter seu aspecto épico, em um surpreendente baixo orçamento. É com um olhar bastante intimista ao protagonista que fisga seu espectador em uma jornada instigante, engrandecida pela trilha sonora e cujas mais de três horas – com um intervalo - passam voando num piscar de olhos.
Avaliação: 4.5/5
O Brutalista (The Brutalist, 2024)
Direção: Brady Corbet
Roteiro: Brady Corbet e Mona Fastvold
Gênero: Drama
Origem: EUA, Reino Unido, Hungria
Duração: 215 minutos (3h35)
48º Mostra de São Paulo (Perspectiva Internacional)
Sinopse: O filme narra a jornada do arquiteto judeu nascido na Hungria László Tóth, que migra para os Estados Unidos em 1947, após sobreviver ao Holocausto. Inicialmente forçado a lidar com a pobreza, ele logo ganha um contrato que mudará a sua trajetória pelos próximos 30 anos. (Fonte: Mostra de SP)
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