Pablo Larraín mistura ficção com traços biográficos ao explorar, através da fantasia, os últimos dias da vida de Maria Callas.
Admito que tenho gostado muito dos trabalhos recentes de Pablo Larrain, no qual desenvolveu um formato bastante próprio de fixar um recorte temporal, e a partir dele explorar, através da ficção, alguns dias na pele de uma importante mulher da História. Assim já o fizera com Jackie Kennedy, em Jackie (2016), no processo de luto após a morte do marido; com a Princesa Diana em Spencer (2022), em seus últimos dias vivendo junto à família real britânica; e agora, neste terceiro capítulo, foi a vez de Maria Callas, em Maria.
O período temporal pelo qual se interessa desta vez é em sua última semana de vida, em setembro de 1977. Angelina Jolie dá vida a uma Maria Callas, aos 53 anos, reclusa e depressiva, adoecida mental e fisicamente. Seu sofrimento é retratado por sua incapacidade em dar voz, literalmente, a própria arte, enquanto já enfraquecida pela ação do tempo, e pouco afinada. Em um dos momentos mais interessantes, Larraín explora essa frustração ao comparar a Maria do passado com a do presente, enquanto lagrimas escorrem pelo rosto de Jolie, em mais um bom trabalho, ao tempo em que o pianista se compadece da decepção e tenta incentivá-la a não desistir.
Mas dado o contexto, é como se para Maria não houvesse volta. O roteiro de Steven Knight trabalha justamente a voz da protagonista como sua razão para viver, sendo sua ausência e enfraquecimento motivo suficiente para já não estar mais neste mundo.
O clima é de despedida, desde os primeiros minutos, em uma montagem com alguns dos grandes momentos da cantora, até o marasmo da vida presente, em busca de anonimato. Entretanto, ao contrário dos outros dois longas mencionados, este rejeita uma ficção por completo para investir, também, a abordagem de alguns traços biográficos de Maria Callas.
Usando-se da fantasia como saída para conceder personalidade aos óbvios flashbacks, a protagonista repassa momentos de sua vida em um formato de entrevista conduzida por Kodi Smit-McPhee, na representação de um dos remédios tomados pela personagem, que a faziam delirar. Juntos, passeiam pela infância de Maria, perpassando encontros com personalidades importantes – até existe um flerte de Larraín, que não segue adiante, em se encontrar com Jackie Kennedy, apenas mencionada algumas vezes -, e enfim chegando nos relacionamentos amorosos, onde dá destaque a seu envolvimento com Aristotle Onassis.
Esses momentos biográficos servem de grande justificativa à angústia da protagonista frente a vida presente, no entanto tiram, por outro lado, um pouco do aspecto intimista de Maria, ainda que exista autoralidade na maneira como Larraín trabalha essa reunião da fantasia ficcional com a biografia.
Isso não impede, entretanto, que o longa caia, em alguns momentos, numa certa redundância, enquanto se estende e toma um ar até convencional ao dar menos espaço para a fantasia reinar, como forma de imergir de maneiras mais contundentes e profundas na mente da personagem e explorar sua tristeza, sem precisar se repetir, como o faz através das interações com os personagens de Pierfrancesco Favino e Alba Rohrwacher, funcionários de sua casa, e relevantes em como diagnosticam sua piora frente às próprias emoções.
Fato é que, apesar disso, o ato final de Maria compensa essa ausência do traço mais pessoal, apagado pela biografia, quando se debruça nos sentimentos da protagonista a partir das próprias ações. No momento em que abraça de vez o aspecto musical, e dá asas à fantasia, creio que o longa se encerra com chave de ouro, em uma atmosfera triste, naturalmente, mas bastante significativa em relação à trajetória de Callas percorrida até ali, sobretudo diante de seu quadro clínico e renuncias necessárias para que pudesse continuar a viver.
A beleza dessa “trilogia” de Larraín, então, termina de tomar forma com Maria, ao construir-se três filmes com elementos e eixos temáticos semelhantes, mas abordagens completamente distintas em relação as personagens retratadas, mantendo a sensibilidade de seu olhar e a originalidade como autor.
Avaliação: 4/5
Maria Callas (Maria, 2024)
Direção: Pablo Larraín
Roteiro: Steven Knight
Gênero: Drama, Biografia
Origem: EUA, Itália, Alemanha
Duração: 123 minutos (2h03)
48º Mostra de São Paulo (Perspectiva Internacional)
Sinopse: A tumultuada, bela e trágica história da vida da maior cantora de ópera do mundo, Maria Callas, revivida e reimaginada durante seus últimos dias na cidade de Paris, em setembro de 1977. (Fonte: Mostra de SP – Adaptado)
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