Malu é um retrato sensível de Pedro Freire para com sua mãe, em uma homenagem que a enxerga com olhares humanos.
Após a sessão, logo no primeiro dia desta Mostra de SP, em um breve bate-papo com os realizadores a respeito do filme, ouvir Pedro Freire falando de sua mãe e das ideias que deram origem ao presente era o que eu precisava para ficar ainda mais emocionado com Malu.
Não é nada fácil pensar em um projeto de homenagem, ainda mais quando a protagonista é sua própria mãe, a atriz Malu Rocha. Foram, de acordo com o cineasta, mais de onze anos para a produção, desde a concepção da ideia até o momento de sua retirada do papel, com um orçamento limitado.
A escolha de situar o longa praticamente em um único ambiente é uma maneira de nos fazer observar e sentir o tempo passar. Não é, porém, um lugar qualquer. É a casa de Malu, seu monumento, representante de suas ambições como atriz, engajada politicamente, resistência da Ditadura, sonhadora de um mundo melhor, mais justo, com mais oportunidades para todos. Por outro lado, é um reflexo também de sua mente, por vezes a frente de seu tempo, acelerada, dispersa, fantasiosa, e, também, muito orgulhosa.
Seu temperamento, independência e justamente seu orgulho são os maiores pontos de conflito estabelecidos por Freire em sua narrativa, especialmente na relação entre a protagonista com sua mãe e também com sua filha. É uma questão geracional, que converge em um só lugar distintas visões de mundo, frutos de tempos e espaços distintos, ainda que todas conectadas pelo sangue.
Em razão dessas diferenças, Malu sempre se apresentou um tanto distante da realidade das outras, o que provoca, ao longo do filme, uma necessidade de reconciliação familiar, e de equilibrar seus próprios interesses e vontades com os sentimentos alheios.
O que para os amigos de Joana (vivida muito bem por Carol Duarte) faz de Malu uma mãe perfeita, por fugir daquele típico estereótipo padrão, é o que falta à filha, construída como um mescla do diretor com sua irmã. Entre as pesadas discussões familiares, normalmente aliviadas por tiradas cômicas certeiras, existe um vazio na personagem, clamando pelo apoio para que Malu agisse, de fato, como sua mãe, de uma necessidade de “ficar em cima” e de cobrança, apenas por fazer.
Por outro lado, a mãe de Malu, Dona Lili (ótima na pele de Juliana Carneiro da Cunha) se preocupa com os caminhos pelos quais segue sua filha, um tanto dispersa do mundo real, fumando e se relacionando com pessoas mais jovens e de mente aberta. É a representação de uma geração que não compreendia os estímulos progressistas daquele tempo (meados dos anos 90), ainda manifestando sentimentos homofóbicos e racistas como algo normal. E apesar de eventualmente agir como uma antagonista, é uma personagem também complexa, que guarda traumas e mágoas de infância, com cicatrizes emocionais.
Dessa forma, Malu é uma viagem adentro de uma família, estabelecida a partir da união de três gerações, e os olhares de umas em relação às outras – e a troca que se extrai a partir disso. É um longa que, apesar de divertido e até bastante engraçado, é no fundo muito denso, fruto de um excelente trabalho de direção do estreante em longa-metragem Pedro Freire; e também da estonteante atuação de Yara de Novaes como protagonista. E apesar de durante quase seus 100 minutos de duração apresentar uma trilha musical bastante discreta, nunca falta dinamismo à narrativa, ainda mais com a montagem assinada por Marília Moraes.
Por vezes, é um filme que até me faz recordar de Os Fabelmans, de Steven Spielberg, pelo olhar sensível em relação à própria família, até mesmo no que foge de seu alcance em relação à mãe; e mais ainda, pela forma como utiliza do cinema para trabalhar essa homenagem, encerrando o longa com um diálogo metalinguístico que revela muito do amor para com a mãe, Malu, e a vontade de eternizar sua memória.
Avaliação: 4.5/5
Malu (Idem, 2024)
Direção: Pedro Freire
Roteiro: Pedro Freire
Gênero: Drama, Comédia
Origem: Brasil
Duração: 100 minutos (1h40)
48º Mostra de São Paulo (Mostra Brasil)
Sinopse: Malu é uma mulher de meia-idade que teve um passado glorioso e agora está presa em um grande caos existencial. A complexa relação com sua mãe conservadora e sua filha torna a crise ainda mais aguda, entre momentos de carinho e alegria entre as três. Uma mulher em busca de si mesma.
(Fonte: Mostra de SP - Adaptado)
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