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Foto do escritorHenrique Debski

48ª MOSTRA DE SP | Harvest, de Athina Rachel Tsangari (Idem, 2024)

A estética de Harvest acerta em valorizar o mistério e a apreensão, mas é incapaz de se conectar com o espectador através de uma narrativa vazia.



Já nos minutos iniciais de Harvest, a cineasta Athina Rachel Tsangari deixa bastante clara a sensação de estranhamento e desconforto que busca imprimir em seu espectador, através de uma fotografia claustrofóbica, e uma aproximação de seu protagonista, Walt, excelentemente vivido por Caleb Landry Jones, enquanto se aventura às margens da vila em que vive, nos limites da (única) realidade que ele conhece.

 

À medida em que o filme continua, tais ideias são reforçadas quando nos damos conta de seu tempo e lugar histórico: uma vila no interior da Inglaterra, provavelmente em meados do século XVII. Longe das grandes cidades, e de outras civilizações, a dinâmica naquele local parece presa ainda à tempos anteriores, como uma grande propriedade chefiada por um “senhor feudal”, dono e administrador das terras, que exerce as funções de prefeito, promotor, juiz e carrasco – o dono da lei e da ordem.

 

Aos poucos, porém, todo aquele mundo que todos conhecem – incluindo o próprio senhor das terras, Mestre Kent, também ótimo na pele de Harry Melling – passará por transformações, na qual a violência e a brutalidade tomam espaço junto a uma conspiração, na qual Walt se encontra em meio ao caos e atuando como um agente nos dois lados, com uma vista privilegiada – e também amaldiçoada – de toda a disputa que se estabelece em seu entorno.

 

Apesar da forte veia política que tenta empregar, a narrativa de Tsangari (escrita juntamente com Joslyn Barnes, adaptada do livro de Jim Grace) não tem êxito em criar um laço tão forte com o espectador, na medida em que, entre tantos personagens atuando por seus interesses em cada lado, pouco a pouco vão se tornando insignificantes diante de um conflito que não gera interesse.

 

Talvez, por um aspecto, a insignificância do ser humano seja um tema que a diretora quisera trabalhar, já que em inúmeras oportunidades busca por reduzir seu ambiente a uma espécie de maquete, a partir de planos aéreos que transforma a tudo e a todos em pequenas miniaturas coloridas – certamente uma entre tantas outras vilas que passam, ao tempo, por processos semelhantes. Mas é ruim que tal insignificância tenha se estendido tanto ao contexto quanto aos próprios personagens, e sobretudo ao protagonista.

 

Existia toda uma relação muito interessante de mágoa e ressentimentos que poderia ser explorada entre Walt e o Mestre Kent, que se manifesta muito bem no olhar e na aproximação dos personagens por seus intérpretes – uma espécie de paixão latente, sempre no ar, mas nunca exatamente manifestada pela direção, que não se interessa em explorá-la, assim como não encontra sequer espaço em meio a tantas subtramas imersas e reunidas.

 

Da mesma forma, há também toda uma aproximação da fantasia, que flerta com o terror folclórico, deslocada em meio a tantas coisas acontecendo ao mesmo tempo. No final, tudo isso acaba sendo usado apenas e exclusivamente para provocar e incomodar o espectador, mas sem gerar qualquer preocupação ou interesse de fato pelo que acontece e pelas consequências que produzem.

 

Dessa maneira, Harvest, na maior parte do tempo, não é capaz de despertar sentimentos, uma indiferença em relação aos seus eventos. Era um filme que tinha o potencial de ir além das margens de suas próprias discussões, mas que se contenta provocando o espectador, para, no fim das contas, não chegar a lugar algum com a maioria de suas tramas, e deixar de lado dois personagens (e duas grandes atuações) que mereciam muito mais atenção.

 

Creio que não poderia resumir tudo isso de maneira melhor que a crítica de cinema, e amiga, Carol Ballan (editora do No Sofá com Gatos, link abaixo), em um breve, mas certeiro, comentário deixado no Letterboxd: “It shows something interesting, but fails to make you care about it (em tradução livre, “apresenta algo interessante, mas falha em fazer você se importar com”).

 

Avaliação: 2.5/5

 

Harvest (Idem, 2024)

Direção: Athina Rachel Tsangari

Roteiro: Athina Rachel Tsangari e Joslyn Barnes (adaptado do livro homônimo de Jim Grace)

Gênero: Drama, Thriller

Origem: Reino Unido, Alemanha, EUA, França, Grécia

Duração: 131 minutos (2h11)

48º Mostra de São Paulo (Perspectiva Internacional)


Sinopse: Um vilarejo sem nome, em um lugar indefinido no tempo e no espaço, desaparece ao longo de sete dias alucinatórios. O filme —uma visão tragicômica do western— acompanha Walter Thirsk, um homem da cidade que se tornou fazendeiro, e Charles Kent, um confuso proprietário de terras. Os dois são amigos de infância e estão prestes a enfrentar uma invasão do mundo fora dessas fronteiras: o trauma da modernidade. (Fonte: Mostra de SP)


Site No Sofá com Gatos: https://www.nosofacomgatos.com/

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