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Foto do escritorHenrique Debski

48ª MOSTRA DE SP | Barba Ensopada de Sangue, de Aly Muritiba (Idem, 2024)

Barba Ensopada de Sangue se segura na atmosfera de mistério e tensão, ainda que derrape na conexão entre o protagonista e o espectador.



Logo nos primeiros momentos de Barba Ensopada de Sangue, já podemos sentir o tormento mental pelo qual passa o protagonista. São histórias de família que se mesclam em um sonho, surrealista, onde o personagem de Gabriel Leone afunda e praticamente se afoga em um mar repleto de imensas baleias. É porque isso está diretamente ligado à sua obsessão, em investigar o passado para descobrir o que aconteceu com seu avô, o qual nunca conheceu.

 

É por isso que Gabriel (também o nome do personagem) retorna a pequena cidade litorânea de Armação, em Santa Catarina, para conhecer e ficar, por algum tempo, na antiga casa de seu avô, e quem sabe desenterrar histórias que o permitam conhecer sua memória e resolver este mistério que, por alguma razão, o atormenta. É que apesar dos esforços de Aly Muritiba em tentar nos aproximar do personagem, algo sempre nos mantém afastados.

 

O fato de se tratar Gabriel de um personagem introvertido e bom ouvinte até pode justificar sua quietude, mas são poucas as oportunidades em que nos são dadas chances e aberturas para nos conectar com ele e conhecer suas motivações. A gente sabe que algo o deixa inquieto, ainda mais depois do falecimento de seu pai e das brigas que teve com seu irmão e também com a ex-namorada – o que justifica seu afastamento da cidade grande e sua viagem repentina -, mas é difícil de compreender o porquê de suas escolhas.

 

Mais ainda, alguns bons elementos que poderiam ter sido trabalhados pela narrativa – como a prosopagnosia (dificuldade em reconhecer e se lembrar de rostos), citada em diálogo – acabam pouco aproveitados, senão para uma rasa camada ao protagonista, diante de seu não uso, seja para uma possível reviravolta que poderia vir, ou ao menos para o plano da imagem, de maneira a imergir nos sentimentos do protagonista de forma mais profunda, a explorar o seu ponto de vista em relação aos fatos.

 

Por outro lado, a atmosfera fantasmagórica da cidade de Armação torna o mistério mais intrigante quando emerge um passado esquecido e não dito por seus moradores, pessoas mal encaradas e supersticiosas. É a partir do sangue derramado décadas antes, e de ossos desenterrados que Muritiba mantém muito bem um clima de suspense e tensão enquanto o protagonista investiga a história da própria família.

 

Quando aumenta a tensão, já pela segunda metade, e trabalha com a violência, não só Muritiba encena com ênfase no impacto da ação, capturando a dor do protagonista, o que Leone faz muito bem, mas a fotografia assinada por Karen Akerman transforma a frieza de Armação no calor do olhar de uma cidade enfurecida, disposta a matar qualquer um que se atreva a desenterrar determinados esqueletos no armário. Já é próximo do clímax final que o mistério finalmente nos cativa e desperta a atenção, pela promessa de uma resolução e um fim ao tormento do personagem, ainda que não o conheçamos bem.

 

E essa promessa é cumprida. O desfecho catártico desafoga, em boa parte, um sentimento de vazio deixado pela primeira metade do longa, que não consegue ir tanto além de um bom thriller. Ainda assim, Barba Ensopada de Sangue não é capaz de deixar uma marca tão profunda, justamente por depender de uma conexão do protagonista com o espectador que, durante boa parte do tempo, não é construída, apesar dos esforços da direção de Aly Muritiba e de Gabriel Leone para tanto, dois profissionais de muita competência. E não que seja um filme ruim, longe disso, mas sinto que seu desenrolar comum e sem fugir aos padrões do gênero o tornam, a longo prazo, esquecível – uma nota de rodapé em boas filmografias.

 

Avaliação: 3/5

 

Barba Ensopada de Sangue (Idem, 2024)

Direção: Aly Muritiba

Roteiro: Aly Muritiba e Jessica Candal, adaptado de Daniel Galera (livro)

Gênero: Thriller, Drama

Origem: Brasil

Duração: 108 minutos (1h48)

48º Mostra de São Paulo (Mostra Brasil)

 

Sinopse: Após a morte do pai, Gabriel parte para a praia da Armação em busca de suas origens. O que ele acaba encontrando é uma trama complexa em torno da figura misteriosa do avô, um esqueleto de baleia e uma cidade que se quer enterrar o passado a qualquer custo. (Fonte: 48ª Mostra de SP).

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