30º É TUDO VERDADE | Trens, de Maciej J. Drygas (Pociągi, 2025)
- Henrique Debski
- 17 de abr.
- 3 min de leitura
Maciej J. Drygas, em Trens, usa das locomotivas para falar da humanidade, e mostrar o como, em um século, não evoluímos enquanto sociedade.

Trens é como uma viagem pela História da Europa durante a primeira metade do século XX. A partir de imagens de arquivo, acompanhamos o nascimento dos trens em uma época de modernizações constantes, enquanto, ao longo de décadas, tem suas funções acrescidas, modificadas e alteradas diante das necessidades dos Estados e da humanidade, nem sempre com os melhores fins.
Seus minutos iniciais podem até sugerir uma imersão histórica inofensiva com os trens como a temática central, a partir do momento em que mostra uma locomotiva sendo fabricada, da solda de suas primeiras peças até sua própria construção, mas a citação inicial, antes mesmo das primeiras imagens surgirem em tela, já deixa bastante clara a intenção de Maciej J. Drygas para com seu projeto, que está longe de uma abordagem inofensiva da História.
Disse, certa vez, o escritor Franz Kafka, em uma conversa com o jornalista e também escritor Max Brod, “esperança há muita, infinitamente muita esperança, apenas não para nós", enquanto conversavam sobre a decadência daquela Europa no início do século XX, antes mesmo da Segunda Grande Guerra, a qual Kafka nunca testemunhou. Com essa frase, Trens abre ressignificando a locomotiva, como um instrumento.
O que inicialmente fora pensado para facilitar o transporte de pessoas e cargas, e durante muito tempo serviu exclusivamente à esse propósito, com o calor da Primeira Guerra Mundial tão logo o trem transformou-se em uma meio eficiente para o transporte de armas, bem como de soldados, que pouco a pouco se direcionavam ao campo de batalha para enfrentar seu “inimigo”. O que antes poderia levar dias ou meses para acontecer, com este novo veículo passou a levar horas, e a guerra, com os novos armamentos, mais letais e estratégicos, levou a quantidades de óbitos e destruições sem precedentes.
Aqueles que entravam nos trens, em suas cidades-natais, prontos e aptos para o combate, retornavam semanas depois mutilados – sem os membros inferiores, superiores e até mesmo com a face deformada pelos ferimentos da guerra. Tornavam-se assim marcados eternamente pelo conflito, com suas máscaras faciais, braços e pernas mecânicas – tal como as locomotivas.
Com o fim da Primeira Guerra, depois de um período de relativa paz, ninguém imaginava que o mais assustador ainda estava por vir. Os trens, com o desenrolar da Segunda Guerra, passaram a ser usados não apenas para transportar armas e soldados, mas como máquinas de aniquilação em massa, com a promoção de genocídios.
Maciej J. Drygas, em uma vasta pesquisa pelos arquivos de toda a Europa, reúne uma quantidade impressionante de imagens de arquivo. A partir das locomotivas, perpassa por alguns dos momentos mais assustadores da humanidade, e traça paralelos inimagináveis, através da própria arte do cinema, ao nos fazer refletir, através da montagem, sobre uma percepção de tempo, ao mostrar que Charles Chaplin e Adolf Hitler cresciam em popularidade na mesma época e ao mesmo tempo, por exemplo, acompanhado por uma trilha instrumental que, além de tornar o filme dinâmico, colabora também na manipulação das emoções com as imagens apresentadas.
Toda essa reflexão, cíclica no nascimento e desconstrução das locomotivas, se fecha na comprovação da citação de Kafka, feita nos minutos iniciais, quando, mesmo após duas guerras mundiais, a humanidade prova ainda não ter aprendido a conviver em paz, frente a continuidade dos conflitos ao redor do planeta, algo que se sustenta até os presentes dias, com cada dia mais violência e brutalidade. Apesar das tecnologias, estamos longe de uma evolução enquanto sociedade, e talvez Kafka realmente tenha razão: existe muita esperança, mas não para nós.
Avaliação: 4.5/5
Trens (Pociągi, 2025)
Direção: Maciej J. Drygas
Roteiro: Maciej J. Drygas
Gênero: Documentário
Origem: Polônia, Lituânia
Duração: 80 minutos (1h20)
30º É Tudo Verdade (Programas Especiais – filme de encerramento)
Sinopse: Uma viagem de trem reflexiva pela Europa do século 20, composta inteiramente por imagens de arquivo encontradas e design de som que capturam magia e dramas. Esta representação evocativa e sem palavras revela como a maravilha do movimento pode se tornar uma maldição, misturando lágrimas de alegria com a dor do desespero. (Fonte: É Tudo Verdade)
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