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30º É TUDO VERDADE | Reconhecidos, de Fernanda Amim e Micael Hocherman (Idem, 2025)

  • Foto do escritor: Henrique Debski
    Henrique Debski
  • 16 de abr.
  • 3 min de leitura

Desorganizado, o documentário Reconhecidos, mesmo sem intenção, acaba sendo tão temerário ao debate quanto é o reconhecimento fotográfico aos acusados.



O reconhecimento de pessoas, quando não respeitado o procedimento descrito pelo Código de Processo Penal, deve ser invalidado e não é considerado como prova apta para a condenação do réu, conforme entendimento recente do Superior Tribunal de Justiça (STJ), em julgamento no final de 2024. O reconhecimento fotográfico, por muitas vezes realizado sem a observância dos requisitos legais, é gerador de profundas injustiças, e leva à prisão pessoas inocentes.

 

Essa é justamente a ideia que busca explorar o documentário Reconhecidos, enquanto conta histórias de quatro homens negros de regiões periféricas do Rio de Janeiro, investigados, por inúmeras vezes, em razão de crimes que não cometeram, pois foram reconhecidos irregularmente em procedimentos fotográficos imprecisos, cujas fotos encontram-se em um livro na Delegacia de Polícia, sem se explicar como, e sofrem as consequências de acusações e até condenações temerárias.

 

Ao menos isso é que nos conta a dupla de diretores Fernanda Amim e Micael Hocherman, enquanto, apesar das comoventes narrativas, encontra uma série de dificuldades em ordens técnicas-cinematográficas e até mesmo jurídicas para alavancar essa discussão de maneira apropriada e se debruçar verdadeiramente sobre o tema.

 

Pois apesar de trabalhar com a temática do processo penal brasileiro, e tentar expor as fragilidades da prova em matéria criminal, o documentário carece de uma base jurídica, seja para o espectador, que, como muitos, não são da área jurídica e não conhecem a fundo o funcionamento do sistema, mas também pela quantidade de informações incorretas acerca do próprio processo penal, que são mencionadas mas nunca corrigidas, e até utilizadas como forma de demonstrar injustiças (a exemplo do fato de que recursos defensivos não podem prejudicar o réu, ao reformar a sentença em seu malefício, algo que o filme sugere como possível).

 

Fato é que nós nunca temos acesso às reais informações contidas nos autos processuais, e ao panorama completo das acusações oferecidas pelo Estado. Independentemente de serem as pessoas retratadas pelo filme culpadas ou inocentes, é muito difícil fazer juízo de valor com base em informações escassas e precárias acerca de determinado assunto. Ao não termos acesso, por parte do longa, às circunstâncias fáticas de cada caso, e menos ainda às formas de reconhecimento documentadas nos processos, o espectador fica refém daquilo que é dito pelo filme.

 

É como uma falta de transparência para com o espectador, que leva até mesmo ao enfraquecimento do próprio debate, quando o filme não oferece uma visão ampla e abrangente das situações concretas discutidas, mas uma visão única e parcial do lado dos acusados, sem destrinchar os fatos e circunstâncias concretas. E veja, não estou falando que as pessoas retratadas são culpadas ou inocentes, mas tão somente que não há como saber ou opinar sem conhecer cada caso individualmente.

 

Ao mesmo tempo, Reconhecidos também apresenta problemas de montagem, ao intercalar, sem muita organização, as histórias dos quatro homens, que, semelhantes em virtude das circunstâncias fáticas, tornam-se confusas, enquanto se busca mostrar acusações temerárias e injustiças geradas pelos reconhecimentos. Talvez funcionasse muito melhor se contasse cada uma individualmente, e não as misturasse ao longo de 110 minutos, sem uma ordem de acontecimentos ou mera organização, que por vezes alongam-se demais mostrando as vidas pessoais de cada um dos retratados, e suas rotinas.

 

A temática é de grande relevância, no meio social e jurídico, mas por vezes Reconhecidos se assemelha a uma extensa reportagem jornalística, sem muita organização, e que, ao invés de desenvolver uma tese ampla e chegar a uma conclusão, já parte de uma conclusão determinada e apenas busca prova-la, se esquecendo ou ignorando muitos elementos relevantes à pesquisa, que poderiam gerar um verdadeiro debate e maiores provocações. Da maneira como foi elaborado, é apenas tão temerário ao debate quanto é o reconhecimento fotográfico aos acusados.

 

Avaliação: 2/5

 

Reconhecidos (Idem, 2025)

Direção: Fernanda Amim e Micael Hocherman

Roteiro: Fernanda Amim e Micael Hocherman

Gênero: Documentário

Origem: Brasil

Duração: 110 minutos (1h50)

30º É Tudo Verdade

 

Sinopse: Quatro homens negros tiveram suas vidas bruscamente alteradas depois de terem sido reconhecidos criminalmente com base em uma fotografia. Lançados em nova realidade, da penitenciária à sala de audiência, passando por corredores frios de mármore, atos complexos e linguagem rebuscada, essas histórias nos revelam que, por trás de conflitos e posicionamentos jurídicos, existem pessoas, muitas vezes, inocentes. (Fonte: É Tudo Verdade)

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