30º É TUDO VERDADE | Hora do Recreio, de Lúcia Murat (Idem, 2025)
- Henrique Debski
- 14 de abr.
- 4 min de leitura
Em Hora do Recreio, Lucia Murat tem ótimas ideias e a intenção de trabalhar com temáticas relevantes, mas sem uma delimitação, nada sai da superfície.

Quando nos propomos a escrever e desenvolver uma tese, seja um artigo científico, um trabalho de conclusão de curso, uma monografia, uma reportagem, dissertação de mestrado ou mesmo uma crítica de cinema, a delimitação do tema é uma etapa fundamental do processo – nunca me esqueço o quanto a professora-coordenadora de pesquisa da minha graduação reforçou tal ponto durante o curso, e com toda a razão, até porque uma das experiências mais frustrantes com qualquer texto ou filme é estar de frente para uma ótima ideia, mas mal trabalhada por querer abraçar o mundo, sem conseguir dar conta.
Receio, entretanto, que seja o que aconteceu no documentário Hora do Recreio, que recebera menção especial no festival de Berlim deste ano de 2025. Apesar de uma obra tematicamente relevante, as dificuldades em delimitar um tema certo a ser trabalhado, mediante uma abordagem constante, tira a força de sua voz enquanto tenta debater muitos temas, sem encontrar tempo ou meios para que sejam integrados, senão por segmentos até um tanto desconjuntados, sem um grande diálogo entre si.
Sua introdução, por exemplo, constrói-se com base na busca pela empatia do espectador, conquistada através de um longo debate proposto em uma sala de aula do ensino médio da rede pública de uma região periférica do Rio de Janeiro. Aos alunos, são feitas perguntas referentes à violência doméstica, familiar e de gênero, racismo, homofobia, entre outros assuntos, as quais são respondidas por eles com relatos pessoais, como se abrissem o coração para falar e compartilhar suas histórias perante uns aos outros. A câmera, então, mostra-se preocupada em ouvi-los atentamente, e trabalhar aquela turma com foco no coletivo, na integração que existe entre os alunos, e no apoio de uns para com os outros ao ouvir suas histórias de vida.
É uma demonstração de uma parte da realidade de muitos brasileiros, vítimas constantes de violências diversas, relatadas por eles com certa normalidade, apesar da dor que lhes causa, à existência enquanto pessoa e aos seus direitos humanos, universais e inerentes a todos.
Ao término deste segmento inicial, até mesmo em razão do título, era de se esperar que Hora do Recreio seguiria por essa linha, como um documentário de escuta preocupado em captar as visões de mundo e da vida de jovens, ainda adolescentes, estudantes de escolas públicas. No entanto, é uma excelente ideia que acaba ficando apenas restrita ao início.
Em seguida, Lucia Murat articula críticas, justas, à educação estatal, às dificuldades em filmar dentro das escolas e a relação conflituosa com a administração pública em sua infinita burocracia e exigência de documentos diversos para que o filme pudesse ser filmado dentro da legalidade, além da própria questão da violência nas favelas e regiões periféricas – algo que, apesar de interessante, e metalinguístico, fica desfocado da temática central dos jovens, como uma longa nota de rodapé sobre as difíceis condições da vida na periferia carioca.
Depois, no retorno às escolas, acompanhamos alunos do ensino fundamental em uma saída para o centro histórico do Rio de Janeiro, alguns debates rápidos sobre o que viram e aprenderam, além de uma intercalação com performances de dança que retratam as diversas temáticas debatidas – algo que, pouco a pouco, começa a desacelerar o ritmo e, novamente, desviar o foco da escuta.
Ao final, um longo segmento no qual alunos adolescentes aprendem com Lima Barreto, ensaiando para a apresentação de uma peça teatral adaptada de sua obra, “Clara dos Anjos”. Por meio da literatura, os estudantes criam traços e paralelos entre o passado e o presente, de forma a identificar no passado atitudes preconceituosas que se manifestam, ainda que maneiras diferentes, nos dias de hoje, como uma espécie de herança social maldita.
Mesmo que amplamente relevantes essas temáticas, e tudo muito bem intencionado, Lucia Murat não consegue reuni-las em Hora do Recreio de maneira que estabeleçam diálogos, senão por ideias que acabam ficando na superfície, com muitos relatos, que apesar de tocantes, não são aprofundados pelo próprio conjunto da obra em seu contexto geral, ficando como apenas mais uma história dentro de muitas que não são discutidas. A partir deste filme, poderiam facilmente ser trabalhados esses segmentos como curtas ou médias-metragem independentes, que construiriam melhor cada uma dessas abordagens em seus próprios ciclos fechados, já que reunidos desta forma não se mostram capazes de construir uma verdadeira conversa em seus oitenta e três minutos de duração, como um filme que deseja falar muito sobre tudo, e, que, no fim, acaba falando pouco ou apenas o óbvio, sem muito a acrescentar. Creio que talvez, assim, seja um documentário que funcione melhor ao estrangeiro do que propriamente ao público brasileiro.
Avaliação: 2.5/5
Hora do Recreio (Idem, 2025)
Direção: Lúcia Murat
Roteiro: Lúcia Murat
Gênero: Documentário
Origem: Brasil
Duração: 83 minutos (1h23)
30º É Tudo Verdade
Sinopse: Alunos falam sobre a violência, o racismo e o feminicídio, citando experiências de suas famílias. Diante da impossibilidade de se filmar em escolas cercadas por operações policiais, eles criam performances. Em outra escola, encenam uma peça baseada no livro Clara dos Anjos, de Lima Barreto, que mostra o abuso sofrido por uma jovem negra suburbana, e discutem a história com suas vivências. (Fonte: É Tudo Verdade)
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