Em Zinzindurrunkarratz, Oskar Alegria nos oferece uma viagem ao passado pelo olhar do presente, em uma jornada pessoal de reconstituição da memória.
Como se já não bastasse o quase impronunciável título, quando soube que estava prestes a assistir um filme parcialmente mudo, a primeira coisa que me veio à mente foi: vou tirar uma soneca no cinema. Já estava chegando de uma maratona de dois longas anteriores, um tanto cansado e cheio de informações e conceitos na cabeça, históricos e científicos, frutos das temáticas dos documentários anteriores. Minha condição era a receita perfeita para um sono certo.
Mas eis que o filme de Oskar Alegria fez meu pré-conceito estabelecido minutos antes da exibição cair por terra. Antes de mais nada, o caráter pessoal de seu documentário já me chamou a atenção por buscar pela reconstituição de uma memória há gerações esquecida. Sua busca é por um caminho, percorrido por seus ancestrais, da pequena aldeia no interior da Espanha até as montanhas. Não é algo de tanto tempo no passado, questão de décadas. Acontece que se tornou um hábito aos poucos abandonado, e, com o passar do tempo, foi-se embora da memória daqueles que por este trajeto não mais percorreram.
Mais do que apenas uma reconstituição da História, a viagem de Alegria é também uma visita às memórias do passado, e uma homenagem a seus pais - especialmente à sua mãe, que falecera poucos dias antes do início das filmagens, motivo catalisador para a existência do filme.
Como forma de unir a memória do passado, o tributo à família e o olhar do presente, o cineasta filmou sua jornada com a antiga câmera Super 8 de seus pais, parada há mais de quarenta anos, cujo último registro fora feito no ano novo de 1981, que eternizou as imagens de seus avós no tempo. Os rolos, porém, não possuem mais som. Então, o silêncio toma conta de sua jornada, como um convite à reflexão, quebrado, constantemente, por interlúdios que oferecem uma sonorização às imagens, mas separadamente.
Ao longo dessa jornada, o diretor faz apontamentos, que sinalizam seus sentimentos e as antigas tradições da região em que percorre, hoje quase desabitada. Suas memórias do passado são abordadas com ternura, especialmente em relação à família de quem tanto sente falta, da mesma forma que eterniza suas lembranças, como momentos de alegria de jamais voltarão. Quando não está emocionado pelo passado, faz seus relatos com humor, por vezes ácido e em outros num tom satírico, mas sempre trabalhando com base em uma ligação entre a memória e o cinema como meio de eternização.
Em sua busca pela preservação da história, Alegria não deixa de lado as tradições dos ainda habitantes da região, que conservam boa parte dos hábitos de seus antepassados. Não apenas em uma busca pela redescoberta do momento anterior, há também uma preocupação em registrar o presente, que tão logo também poderá ser esquecido.
É nessa coleção de momentos, de tradições, memórias e histórias que Zinzindurrunkarratz (e sim, este é um título tão cômico quanto significativo para a proposta do filme, e isso é bem explicado como uma palavra de origem local) fala muito da importância do cinema como registro, do passado, do presente, de cada momento, e, sem querer ser repetitivo, mas sendo, da memória.
Mais do que isso, Oskar Alegria estabelece também, talvez até involuntariamente, um excelente diálogo formal com Agnès Varda em seu Os Catadores e Eu, pela forma como trata da coleção de momentos, porém aqui direcionado ao passado pessoal, mostrando que a cineasta segue viva ainda por seu legado e pela inspiração que deixa para outros que a sucedem.
Avaliação: 5/5
Zinzindurrunkarratz (Idem, 2024)
Direção: Oskar Alegria
Roteiro: Oskar Alegria
Gênero: Documentário
Origem: Espanha
Duração: 89 minutos (1h29)
Assistido no 29º Festival É Tudo Verdade.
Sinopse: Um cineasta decide recuperar o caminho que os pastores da sua cidade faziam para chegar às montanhas, mas ninguém mais sabe a rota exata. Sua ideia é filmá-lo com a antiga Super-8 de sua família, mas descobre que, depois de 41 anos sem uso, ela não capta mais som. O caminho esquecido e a câmera muda são, junto com um burro chamado Paolo, os protagonistas de uma jornada cheia de lembranças, pontos de interrogação e silêncio. (Fonte: É Tudo Verdade)
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