Michelle Ferrari relembra a existência do relatório elaborado pela Comissão Kerner em 1968, usando o passado para falar do presente.
A década de 1960 foi um momento de extrema complexidade para a história dos EUA. No auge da discriminação e das ondas de racismo, uma enorme revolta se instalou em mais de trinta cidades norte-americanas, cuja população revoltada pelo preconceito sofrido clamava pela igualdade, sobretudo de tratamento, com amplo respeito aos direitos civis e o fim da mera diferenciação pelo tom de pele.
Diante da caótica situação, o bem intencionado presidente à época, Lyndon Johnson, instalou a chamada Comissão Kerner para investigar profundamente as causas para tamanhos protestos e confusão. A ideia era simples, a busca pela resposta de apenas três perguntas, que poderiam definir as razões para o conflito, com a posterior elaboração de um relatório a ser publicado, acompanhado de sugestões para a solução da questão.
O documentário dirigido por Michelle Ferrari tem como objetivo explorar aos mínimos detalhes todo o contexto das revoltas de 1967. Não apenas os momentos e o período dos conflitos em si, mas uma visão abrangente dos fatores antecedentes, que levaram aos fatos, as revoltas em si, e todo o momento posterior, que envolve a elaboração do relatório e sua repercussão no delicado momento em que foi publicado.
A narrativa se desenvolve a partir de uma linha do tempo bem estabelecida e organizada em relação à cronologia dos fatos apresentados, com uma breve introdução a respeito do tema e logo nos levando aos antecedentes das revoltas, no início da década de 1960. O uso de imagens de arquivo e o extensivo trabalho de pesquisa contribuem para a visualização da História, e assim são de suma importância para não deixarem a relevância temática em segundo plano, mas sim ressaltar que a contextualização, neste caso, é essencial, ainda que as vezes peque pelo excesso de repetição de algumas informações.
Mais do que apenas uma forma de situar o espectador no momento histórico debatido, as imagens de arquivo e sobretudo o uso das entrevistas mira no protagonismo dos envolvidos na Comissão Kerner e nos bastidores da elaboração do relatório, com ênfase na figura do ex-senador Fred Harris, a maior fonte de detalhes encontrada pela produção a respeito das reuniões e debates da comissão.
O resultado da obra de Michelle Ferrari é, assim como o relatório, uma honesta e limpa reafirmação da existência do racismo nos EUA, e sobretudo retoma para debate seu objeto de estudo, que, após sua publicação, foi propositalmente soterrado e reinterpretado em desconformidade com sua proposta. Se em sua época a Comissão Kerner inovou ao, pela primeira vez em nome do governo norte-americano, declarar abertamente a existência do preconceito racial no país, hoje O Relatório da Revolta de 1967, tanto o texto original quanto o documentário, provam que ainda há muito para ser feito, na redescoberta dessa obra tão relevante, que pode – e deveria – ser mais discutida e usada como catalisador na diminuição e posterior erradicação do racismo.
Avaliação: 4/5
O Relatório da Revolta de 1967 (The Riot Report, 2024)
Direção: Michelle Ferrari
Roteiro: Michelle Ferrari e Jelani Cobb
Gênero: Documentário
Origem: EUA
Duração: 113 minutos (1h53)
Assistido no 29º Festival É Tudo Verdade.
Sinopse: Quando a violência explode nos bairros negros de várias cidades americanas no verão de 1967, o presidente Lyndon Johnson nomeia a Comissão Kerner para responder a três perguntas: o que aconteceu? Por que aconteceu? O que poderia ser feito para evitar que acontecesse de novo? O relatório final, publicado em março de 1968, ofereceria uma avaliação tão crua das relações raciais americanas, um veredito tão politicamente explosivo, que Johnson o condenou ao esquecimento. (Fonte: É Tudo Verdade)
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