Desenterrando as memórias de uma história nunca contada, Copa de 71 explora o preconceito de gênero no esporte durante o século XX.
O início de Copa de 71 é alarmante ao revelar o desconhecimento de ex-jogadoras profissionais de futebol feminino, duas vezes vencedoras da Copa do Mundo, acerca da existência da Copa feminina de 1971. Nitidamente, não é algo por culpa delas, que conhecem o esporte e sua história como poucos, tendo inclusive feito parte dela. A razão para isso é mais profunda, e ancora-se em um apagamento proposital, motivado por mero preconceito de gênero, advindo de um tempo em que o machismo era a regra, e mulheres não deveriam praticar esportes – e muito menos o futebol.
Guardada apenas na memória de quem viveu o evento, assistindo ou participando dos jogos, o documentário Copa de 71 materializa estas lembranças através de uma reconstituição histórica, trazendo a tona, pela primeira vez em décadas, as imagens originais daquela primeira Copa do mundo de futebol feminino, realizada no México, até hoje não reconhecida oficialmente pela FIFA (Federação Internacional de Futebol).
Os diretores Rachel Ramsay e James Erskine decidiram não apenas aproveitar o vasto material que tinham em mãos, mas aprofundar a narrativa de seu filme buscando, também, pelas mulheres que jogaram representando seus países de origem, e que posteriormente foram esquecidas pela história.
Então, num misto entre as imagens de arquivo e entrevistas com pessoas diretamente envolvidas neste evento histórico, o longa estrutura-se de forma a justificar o contexto em que se insere a Copa de 1971 e seu posterior apagamento, a partir de um apanhado histórico da exclusão feminina do esporte, sua lenta (re)inserção, e as ameaças e proibições da FIFA em relação ao campeonato.
Em meio ao olhar crítico dos realizadores aos fatos narrados, o campeonato e seus personagens também encontram lugar e voz na narrativa do documentário, de forma a explorar como se deram os jogos e os próprios desdobramentos do campeonato – sobretudo os políticos -, em um filme cuja temática esportiva não é de forma alguma esquecida. É engraçada a diversidade dos pontos de vista possíveis de se identificar através de entrevistas, especialmente nos trechos que se referem ao controverso jogo entre a Itália e o México na semifinal.
Nos momentos finais, porém, o sentimento é de revolta e injustiça. As consequências para esta tentativa de reconhecimento do futebol feminino, mesmo que por razões financeiras e visando o lucro, foram devastadoras para todas as personagens envolvidas, banidas do futebol, de seus clubes, e até mesmo humilhadas. A condenação ao esquecimento é uma das mais cruéis penas que o ser humano pode aplicar a outros, atingindo a própria existência de seu receptor, como foi neste caso.
Com isso os cineastas, sem nem precisarem – afinal, a história já fala por si só -, reforçam a relevância de seu documentário, na forma do reconhecimento dos que foram condenados ao esquecimento. A bandeira do preconceito de gênero ainda é levantada durante o filme quando direciona o olhar para os dias de hoje, especialmente em comparações com o passado, e deixa claro que, apesar dos avanços, ainda há espaço para se conquistar ainda mais igualdade – e esta obra é uma ferramenta para tanto.
Avaliação: 4/5
Copa de 71 (Copa 71, 2024)
Direção: Rachel Ramsay e James Erskine
Roteiro: Rachel Ramsay, James Erskine e Victoria Gregory
Gênero: Documentário
Origem: Reino Unido
Duração: 91 minutos (1h31)
Assistido no 29º Festival É Tudo Verdade.
Sinopse: Em 1971, as seleções da Inglaterra, Argentina, México, França, Dinamarca e Itália se reuniram no Estádio Azteca, na Cidade do México. A escala do torneio é monumental: patrocínio luxuoso, ampla cobertura da TV e multidões de mais de 100 mil torcedores. Mas este é um torneio diferente de tudo o que já aconteceu antes. Quem está em campo são jogadoras mulheres. Esta é a Copa do Mundo Feminina não oficial, ignorada tanto pelo órgão dirigente quanto pelas associações nacionais de futebol. (Fonte: É Tudo Verdade)
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