Na mistura entre ficção e realidade, Guilherme Martins coloca seu personagem nas ruas para explorar a precarização do trabalho no Brasil.
É de conhecimento geral, a partir da mídia e da própria experiência de cada um como brasileiro, a noção da complexidade do trabalho no país, das desigualdades, das injustiças e das constantes crises em que nos encontramos face o mundo. Muitos possuem subempregos – as vezes nem registrados -, sem direitos, garantias ou menos ainda segurança.
Na complexa noção de trabalho que se tem no Brasil, o cineasta Guilherme Martins expande seu curta-metragem O Rancho da Goiabada em seu primeiro longa, O Rancho da Goiabada, ou Pois é Meu Camarada, Fácil, Fácil Não é a Vida. À frente das câmeras, Alex Rocha revive seu personagem, um boia-fria nascido no interior do Nordeste que tenta mudar de vida em São Paulo, inicialmente cortando cana no interior do estado, e depois em diversos empregos na cidade grande.
Enquanto mescla passagens documentais através de uma estética ficcional, disfarçando entrevistas como se fossem diálogos do dia-a-dia entre amigos e conhecidos, com trabalhadores reais, Martins também brinca com a própria ficção, ao homenagear o Cinema Novo não apenas com passagens que lembram seu estilo, mas também ao inserir o protagonista vendendo clássicos brasileiros no transporte público, como Glauber Rocha e Zelito Viana.
Acontece que nessa união entre ambos os formatos, a linguagem do filme acaba se tornando um tanto confusa. A ideia central de explorar a precarização do trabalho e, respectivamente, do trabalhador, é bastante clara desde os primeiros minutos, sobretudo através do humor ácido e sempre afiado nas críticas que busca tecer. O problema é que, ao juntar a face documental com a ficcional, a montagem do filme não consegue construir uma linha temporal tão uniforme.
Essa falta de linearidade, então, não seria exatamente um problema se seguisse uma lógica, algo que, se existente, não transparece bem o suficiente para a encontrarmos ao longo da narrativa. Dessa maneira, a temática da obra parece ficar solta demais, em meio ao trabalho como cortador de cana, vendedor ambulante de filmes e auxiliar de cozinha no restaurante.
Mas isso não é suficiente para apagar muitos dos méritos propostos no discurso de Gabriel Martins, que, mesmo a partir de um personagem fictício, consegue extrair boas histórias do mundo real explorado pelo protagonista, bem como diferentes visões de mundo, ambições e filosofias de vida vindas das mais diversas pessoas com quem cruza em seu caminho (o senhor da mexerica é um grande destaque, por sinal), ainda que encontre certas dificuldades em articular tudo isso dentro de uma narrativa que temporalmente faça sentido, em seus meros setenta minutos de duração.
Avaliação: 2.5/5
O Rancho da Goiabada, ou Pois é Meu Camarada, Fácil, Fácil Não é a Vida (Idem, 2024)
Direção: Guilherme Martins
Roteiro: Guilherme Martins
Gênero: Drama
Origem: Brasil
Duração: 72 minutos (1h12)
13º Festival Olhar de Cinema (Competitiva Brasileira)
Sinopse: Em trânsito entre a área urbana e a rural, entre os “subempregos” e a informalidade na capital paulista, e os “boias-frias” nas plantações de cana do interior do estado, o filme se encontra com diferentes camadas de subalternização do proletariado contemporâneo. Construindo como dispositivo a interação de um personagem fictício com contextos e figuras da realidade, Guilherme Martins expande a proposta desenvolvida em seu curta-metragem quase homônimo para abordar de maneira mordaz, ainda que bem humorada, perenes questões sociais brasileiras. (Fonte: Olhar de Cinema)
Comments